Decidir não é tarefa fácil. Lidar diariamente com as angústias e sofrimentos humanos, agir diante de situações adversas, atender aos anseios de justiça e outros desafios estão presentes no dia a dia dos magistrados. Isso faz com que, ao longo de suas carreiras, eles colecionem em suas memórias casos e casos vivenciados nos fóruns. Muitos, por sua natureza pitoresca ou inusitada, merecem ser relembrados.
Com a proposta de homenagear a magistratura, dando voz a esses magistrados ao divulgar histórias experimentadas em todas as regiões do País, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, nesta semana, o livro “A Justiça Além dos Autos”. A obra, que reúne mais de 170 relatos em 504 páginas, foi organizada pela então corregedora nacional de justiça, ministra Nancy Andrighi, e coordenada pelos desembargadores Fátima Bezerra Cavalcanti (TJPB) e Pedro Feu Rosa (TJES) e pelo juiz Álvaro Kalix Ferro (TJRO).
No prefácio, a ministra Nancy Andrighi conta que, como corregedora, deparou-se com ocorrências que a fizeram retornar ao passado: “Voltei a ouvir fatos que a poeira do tempo não pôde encobrir. Com o propósito de divulgar essas vivências dos juízes, além das fronteiras dos julgamentos, procurei coordenar esta coletânea de fatos, pouco contados e constantemente ocorridos, do Monte Caburaí ao Arroio do Chuí e em todas as regiões brasileiras”.
Mais que um julgador
Ainda nas palavras da ministra, “quer no Amazonas, quer no Rio Grande do Norte, em Minas Gerais ou no Rio Grande do Sul, tudo converge para um mesmo cenário de descobertas, quando o juiz é mais que um julgador (muitas vezes, é psicólogo, terapeuta, médico, investigador e, sobretudo, conciliador), e o jurisdicionado, algumas vezes, é menos que um litigante (está oprimido, agoniado, aperreado e desorientado no trato de suas querelas)”.
Mais do que relatos, ora pitorescos, ora dramáticos, o livro, na visão de seus coordenadores, traz “escondido, lá no fundo, na alma de tantos textos, um urro surdo, abafado, dolorido e angustiado. Talvez, um grito terrível da mais preparada geração de juízes que tivemos, a qual, sufocada pela poeira bolorenta da burocracia e pela rapidez enlouquecida da internet, aspira simplesmente fazer justiça”.
A contribuição da magistratura mineira para a iniciativa se fez por meio de vários relatos. Entre eles, “Alta Tensão no Julgamento”, do desembargador Doorgal Andrada, “O Adolescente e a Tia”, da desembargadora Evangelina Castilho Duarte, “Uma Crônica: morte e vida”, do juiz da Comarca de Varginha Oilson Nunes dos Santos Hoffman Schmitt, “O Melhor Amigo do Juiz”, do desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima, e “O Homem de Saia”, do juiz da Comarca de Contagem Wagner Cavalieri.
Histórias
A coletânea traz ainda “Tragédia Anunciada”, da juíza da Comarca de Itabira Cibele Mourão Barroso, que narra o drama de uma família refém das drogas e da violência. “O Eleitor Confuso”, do juiz da Comarca de Governador Valadares Everton Villaron de Souza, discorre sobre o medo de um eleitor da região rural diante da figura do juiz. Já “Interações Guizalhantes da Caixa Preta”, do então juiz da Comarca de Caxambu Carlos Roberto Loiola, hoje em Belo Horizonte, fala da difícil situação da cadeia local a reclamar interdição e do projeto ousado do magistrado, à época, de aproveitar a mão de obra dos recuperandos na produção de mudas para o horto florestal da cidade. Em uma visita de fiscalização ao local de trabalho dos presos, ele esbarra em uma caixa preta e velha, que cai e começa a emitir ruídos estranhos. Grande foi o susto do juiz ao saber que ali estavam várias cobras, que os presos guardavam para vender ao Instituto Butantan.
A publicação traz também “Apenas Mais um Dia Comum” e “A Palavra Empenhada”, dos juízes Narciso Alvarenga Monteiro de Castro e Wagner Aristides Machado da Silva Pereira, das Comarcas de Uberaba e Varginha.
A obra, um convite à leitura, está disponível no Portal da Corregedoria do CNJ.
Fonte: TJMG