O professor de direito constitucional Joaquim Falcão, diretor da Fundação Getúlio Vargas Rio e organizador do livro “Mensalão: Diário de um Julgamento”, afirma que a ação penal 470 foi um divisor de águas na trajetória do Poder Judiciário no país, porque mostrou que as instituições brasileiras funcionam. “O STF é um tribunal independente, com ministros independentes”, diz o ex-conselheiro do CNJ (2005-2009) e doutor em educação pela Université de Génève (Suíça).

O Judiciário brasileiro precisa de modernização e maior controle externo?

Não acho que o Judiciário não tenha se modernizado, muito pelo contrário. O acesso da população a ele aumenta a cada dia. Por exemplo, nos últimos anos passou-se a poder consultar todos os andamentos de processos na internet. Vários processos foram integralmente digitalizados. Aumentou-se o número de juizados especiais, para atender a uma parcela maior da população. Segundo recente pesquisa do DataFolha, embora haja insatisfação com o Judiciário, é o Poder menos desprestigiado das instituições, fora os militares. Foi no Judiciário, no CNJ primeiramente e no STF depois, que se discutiu e combateu o nepotismo. E só depois isso virou regra nos outros Poderes.

Cassado pelo Congresso e condenado pelo STF à prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha, José Dirceu poderá tentar provar sua inocência em Corte internacional?

A Corte Interamericana de Direitos Humanos não é um tribunal de recursos, não decide novamente o caso julgado pelo STF. Ela vê, apenas, se o julgamento foi feito de forma legal, respeitando os princípios de ampla defesa do réu, de imparcialidade, se o julgamento foi conduzido como deveria.

Foi legítimo aplicar a teoria do ‘domínio do fato’ na Ação Penal 470?

Não há uma limitação da teoria do “domínio do fato” a conflitos de guerra. Os ministros analisaram as provas do processo e, em alguns casos, discutiram e analisaram a análise da teoria. O importante é que justificaram a sua decisão, deixaram claro as razões de decidir.

Qual a maior contribuição do livro “Mensalão - Diário de um julgamento”, tendo em vista que outros já foram publicados sobre o tema?

O livro é o resultado de parceria inédita entre uma escola de direito e a mídia. Era um trabalho muitas vezes lado a lado, de explicação, questionamento, discussões. Durante o julgamento tínhamos até mesmo um estúdio, em que jornalistas e professores assistiam juntos o julgamento. Essa experiência mostrou um novo papel para uma escola de direito, além das salas de aula. De discutir os temas importantes, explicar. Não apenas racionalizar posteriormente a justiça feita. Mas participar do processo de feitura da justiça. O livro é o resultado desse trabalho.

Há tendência do Judiciário de criminalizar movimentos sociais?

Não há nenhum indício na jurisprudência do Supremo que aponte nesse sentido. Ao contrário, o Supremo tem uma tendência a reconhecer e valorizar direitos sociais de minorias, a exemplo do caso Raposa Serra do Sol.

Em seis Estados o STJ tenta licença para processar governadores e não consegue nem apurar as acusações que considera sérias, porque as Assembleias Legislativas não autorizam as investigações...

Recentemente houve medidas positivas. Nos últimos dias, vimos o primeiro mandato de prisão a parlamentar ser expedido pelo STF e a Câmara aprovar o fim do voto secreto em casos de cassação de mandato. É um bom começo.

A Justiça no país é classista, homofóbica, machista e racista?

Tenho receio de generalizações. O STF nos últimos anos tornou possível a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Foi favorável a cotas raciais em universidades públicas. Ampliou a aplicação da lei Maria da Penha. Foram decisões favoráveis a minorias na sociedade.

Fonte: Hoje em Dia