Conhecido pelo conservadorismo e apego à liturgia, o ministro surpreendeu com a postura ativa nos dois casos. Após pedir vista nas duas ocasiões, Menezes Direito recebeu uma enxurrada de críticas por empacar os julgamentos logo no início da discussão. Em contrapartida, levou ao Plenário do STF longos votos, com detalhes históricos e ordens expressas de como o poder público deveria agir.
Estes dois casos são apenas exemplos famosos da atuação de um ministro conhecido pela discrição, cordialidade e silêncio. Encarnou, como poucos, a figura do juiz que só fala nos autos. Foi assim que Menezes Direito, independente de vitórias ou derrotas nos julgamentos, ficou conhecido: cada voto, uma doutrina.
2009
Em razão do tratamento para tentar curar o câncer no pâncreas, Menezes Direito se afastou da corte em maio e desde então ficou no Rio de Janeiro, próximo da família. Entre idas e vindas ao hospital, Direito sempre trabalhou — mesmo que à distância. Antes de se internar pela última vez, no domingo (30/8), ainda trabalhava, se dedicando à análise de um pedido de Habeas Corpus.
Entre fevereiro e maio, Direito teve votos importantes. Foi numa apagada terça-feira de maio que o Supremo, com o voto de Direito, mudou a vida de Paulo Eufrásio da Silva, condenado pelos crimes de homicídio qualificado de um menor, de 14 anos, e estupro e atentado violento ao pudor cometidos contra uma menina de 13 anos. A barbárie do caso levou a anulação da condenação, uma vez que não havia sido feito um exame de sanidade mental.
Mesmo assim, o condenado ficou preso temporariamente por oito anos. Mais do que julgar a situação carcerária de Paulo Eufrásio, o Supremo deu um recado claro aos tribunais, ao dizer que os magistrados não podem virar as costas aos processos, após as decisões. “É impossível a prisão cautelar por oito anos. Nove anos de prisão cautelar é mais do que o cumprimento de uma pena a que talvez ele possa ser condenado”, disse Direito. O ministro conduziu o STF a garantir uma premissa básica do Direito Penal: que as prisões temporárias sejam, de fato, temporárias.
Direito era notadamente avesso a entrevistas. Entretanto, no julgamento da Lei de Imprensa, foi um defensor da liberdade de imprensa. “O preço do silêncio para a saúde institucional dos povos é muito mais alto do que o preço da livre circulação de ideias”, disse. “Nenhuma lei estará livre do conflito com a Constituição Federal se nascer a partir da vontade punitiva do legislador de modo a impedir o pleno exercício da liberdade de imprensa e da atividade jornalística em geral”. (Clique aqui para saber mais sobre o voto)
Em fevereiro deste ano, Direito garantiu um direito elementar, mas nem sempre cumprido, dos advogados. O ministro foi o relator da Súmula Vinculante 14, que garante aos advogados o acesso ao procedimento investigatório. “A investigação se dá numa sociedade democrática e é incompatível com um processo sigiloso, à revelia do investigado”, disse.
Assim, Direito deu novo vigor ao direto de defesa. O texto agora deve ser obedecido por todo o Judiciário e pela administração pública. O verbete diz: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de Polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
Em fevereiro também, Menezes Direito foi voto vencido na decisão do Supremo a respeito da presunção da inocência. Na prática, os ministros decidiram se a presunção vale a ponto de garantir a liberdade de um condenado até todos os recursos se esgotarem. Por maioria, o STF decidiu que um condenado só pode ser preso com o processo transitado em julgado.
Para Direito, a Lei das Execuções Penais “autoriza a execução imediata da pena se o recurso não tem efeito suspensivo”. O ministro sustentou que a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos não assegura direito irrestrito de recorrer em liberdade, muito menos até a quarta instância, como ocorre no Brasil. Ficou vencido.
2008
Carlos Alberto Menezes Direito foi decisivo para pacificar os conflitos na reserva Raposa Serra do Sol. Como disse o ministro da Justiça, Tarso Genro, foi a série de exigências feitas por Direito que viabilizou a retirada dos arrozeiros da reserva, numa decisão histórica. Não fosse a conduta ativista do Supremo, fundamentado no voto de Direito, a região poderia ter continuado a viver o clima de tensão e violência deflagrado na conturbada intervenção da Polícia Federal.
Quando o caso começou a ser julgado pelo Supremo, Direito jogou uma ducha de água fria, ao pedir vista do caso logo após o relator, ministro Carlos Britto, gastar dois dias lendo o voto. Mas, quando apresentou seu voto, fez com que, com as 19 ressalvas apresentadas por ele, o Supremo conciliasse as necessidades indígenas ao interesse nacional. Assim, o usufruto da riqueza do solo ficará condicionado às necessidades públicas e o Exército continuará fazendo os serviços de fronteira, como manda a Constituição.
Para fundamentar o voto, Direito inovou e encomendou um estudo inédito do IBGE sobre as populações indígenas no Brasil. “Há elementos que, mesmo não expressos em números, podem justificar a extensão geográfica das terras indígenas”, sustentou o ministro. “Não há índio sem terra. Tudo o que ele é o é na terra e com a terra.” (Clique aqui para saber mais sobre o voto)
Conhecido por ser um conservador católico, Direito logo se viu no centro das atenções ao pedir vista na Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias. Mais uma vez, a demora para votar foi compensada com um longo voto, com restrições e comentários à Lei de Biossegurança.
Ao contrário do que se imaginava, os ministros pouco discutiram sobre o início da vida. Questões filosóficas, teológicas e científicas sobre quando começa a vida permearam o julgamento, mas não foram o grande ponto da discussão. A grande tarefa dos ministros do STF, ao julgar pesquisas com células-tronco embrionárias, foi confrontar uma lei resumida, curta e, para muitos, falha. Na falta de critérios, cinco dos ministros entenderam que algumas condições para as pesquisas deveriam ser estabelecidas pelo próprio Supremo. Ou seja, ao receber a tarefa de julgar uma lei que consideram omissas em determinados pontos, a corte poderia assumir o lugar do legislador e determinar regras.
Mais uma vez, Direito foi decisivo. Ele aproveitou o tempo que ficou com o processo em seu gabinete para propor uma solução que não deixasse nem sua crença na vida do embrião congelado de lado nem que paralisasse o avanço da ciência. Sugeriu que as pesquisas fossem permitidas desde que as células-tronco fossem retiradas sem destruir o embrião. A tese perdeu. Mas, sem dúvida, Menezes Direito deixou uma lição: é possível conciliar os dogmas da religião aos progressos científicos do mundo moderno. (Clique aqui para saber mais sobre o voto)
Menezes Direito era o ministro com menos tempo de Supremo. Apesar disso, fazia parte do grupo de trabalho que vai elaborar o anteprojeto da nova Lei Orgânica da Magistratura. Em agosto de 2008, os ministros Cezar Peluso (presidente da comissão), Ricardo Lewandowski (relator), Cármen Lúcia e Menezes Direito publicaram a Carta do Judiciário, documento feito após o Encontro Nacional do Judiciário. “Cientes da sua responsabilidade para solucionar as grandes questões da administração da Justiça os signatários comprometem-se a desenvolver mecanismos eficazes para o aprimoramento dos serviços judiciários, para a realização efetiva dos direitos individuais e sociais, de forma a impulsionar a realização do Estado de Direito”, diz o texto.
2007
Logo que chegou ao Supremo, em setembro, Direito se viu no meio de impasse de proporções continentais: a transposição do Rio São Francisco. Uma das principais promessas do governo Lula, a transposição do rio foi alvo de diversas críticas, polêmicas e até a greve de fome protagonizada por um padre. Coube a Direito ser o relator do caso e colocar o Supremo no papel de pacificar o embaraço. Com o voto do ministro, o Supremo chamou a responsabilidade para si e cassou a liminar que impedia as obras no rio.
Para isso, Direito se valeu da Constituição, no artigo 102. O dispositivo prevê a competência do Supremo para julgar causas e conflitos entre União e estados e União e Distrito Federal, inclusive as entidades da administração indireta.
Todos esses casos são apenas alguns exemplos do legado que o ministro Carlos Alberto Menezes Direito deixa ao Judiciário. O voto mais importante de Menezes Direito, contudo, ainda estava por vir. O ministro era o relator da Ação Declaratória de Constitucionalidade 18, considerado o julgamento mais caro da história da suprema corte brasileira. Os ministros deverão decidir o destino de R$ 40 bilhões, ao julgar se o ICMS faz parte da base de cálculo da Cofins. O ministro Direito era o relator, mas não se sabe se ele chegou a redigir o voto.
Fonte: Consultor Jurídico