Apesar de a chacina em Campinas (SP), no Réveillon, ter tido como principal motivação a disputa pela guarda de uma criança e de não serem raros os pais que ficam transtornados diante de decisões judiciais sobre tutelas, há muitos casos que seguem na direção oposta. São ex-casais que dão conta de dividir de forma equilibrada a educação dos filhos sem precisar travar na Justiça verdadeiras batalhas cujo objeto – e principal vítima – é a própria criança.
A economista Regina Oliveira, de 45 anos, se separou do empresário Rodrigo Dias há três anos, quando o filho, Davi, tinha 1 ano de idade. Desde o início, negociaram bem todos os detalhes da criação do garoto, que mora com a mãe, mas almoça com o pai todos os dias.
“O segredo da guarda compartilhada é tirar o foco sobre os motivos que levaram à separação e pensar na criança”, afirma a economista, que conversa bem com o ex-marido sobre a divisão de feriados, férias e datas festivas. “Em relação às férias, não temos nada rígido, dividimos de acordo com a conveniência de todos, inclusive do Davi”, relata.
É lei
De acordo com a Lei 13.058, de 2014, a guarda compartilhada passou a ser regra, instituindo que “o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e o pai”. Isso não quer dizer que os dias da semana da criança serão divididos de forma igualitária entre os genitores, mas que o convívio com ambos os pais deve ser incentivado.
A guarda compartilhada também pode ser ampliada para uma outra forma, a guarda alternada. Nesse caso, que é mais raro, os pais dividem completamente o tempo dedicado ao cuidado da criança. Podem dividir igualmente dias da semana ou até meses.
Prós e contras
De acordo com a psicopedagoga e professora Paula de Cássia, esse caso demanda uma maior atenção. “Há vantagens e desvantagens. É muito bom quando os dois pais participam da vida escolar e acompanham toda a vivência do filho, mas é preciso que haja uma boa organização familiar. Quando os pequenos dormem em duas casas durante a semana, é comum esquecerem o material escolar ou de fazer uma lição. Tive um aluno que carregava duas mochilas”, afirma.
Segundo Paula, o importante é que a escola seja bem informada sobre o processo de separação dos pais, para que professores compreendam as mudanças pelas quais as crianças passam.
Divisão igual
Professor de História da UFMG, Luiz Arnaut, de 58 anos, garante que é possível ver os filhos crescerem de maneira saudável quando os genitores decidem dividir igualmente o tempo de dedicação.
Há 14 anos, quando se separou, ele se viu preocupado com a ideia de ter um contato menor com os filhos e sugeriu que houvesse uma guarda compartilhada de maneira plena. Ficou acertado que as duas crianças, então com 9 e 11 anos, ficariam uma semana na casa da mãe e outra no lar do pai.
“A sugestão de fazer essa divisão semanal partiu da minha filha, que disse ser melhor para os estudos e para organizar o material escolar. Hoje os dois são adultos e possuem duas casas. Transitam entre as duas conforme a conveniência de cada um”.
Falta de diálogo pode levar à guarda unilateral
Embora a lei facilite o compartilhamento de responsabilidade sobre o menor, há ainda muitos casos que chegam à Justiça de forma litigiosa. “As partes chegam num processo muito focadas nelas próprias, não conseguem dimensionar outras questões além das mágoas e dissabores da antiga relação. Estão machucadas, feridas, e não conseguem dissociar o que é melhor para o filho”, explica Fabiana da Cunha Pasqua, juíza da 7ª Vara de Família da capital.
Para ela, a guarda compartilhada é o ideal, mas quando o juiz percebe que não há o mínimo de diálogo entre os pais, a decisão judicial acaba sendo por uma guarda unilateral, ou seja, em que um dos genitores será responsável pelas decisões que norteiam a vida da criança, como por exemplo, a escolha da escola. Esse tipo de guarda não implica na privação do contato com o outro genitor.
“Nesses casos, uma equipe faz um estudo psicossocial para apurar quais são as melhores condições para as crianças ou adolescentes. Não há preferência para o genitor materno ou paterno e não se analisa a questão financeira, mas as condições psicológicas e sociais da estruturação e formação da criança”, afirma a juíza.
Mas sempre é possível melhorar a situação de convívio após o processo judicial. “Nada impede que, após um conflito de maneira acirrada, o tempo possa amenizar a situação e a guarda possa ser revista, e se tornar viável a guarda compartilhada”, completa Fabiana.
Incentivo
Para o advogado Rômulo Mendes, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família, o Judiciário brasileiro deveria incentivar mais a guarda compartilhada entre genitores. Segundo ele, a guarda unilateral muitas vezes atrapalha a relação de um dos pais com o filho.
“Vemos vários processos em que não existe motivos para que não seja determinada a guarda compartilhada e, mesmo assim, ela não é estabelecida. Isso estimula a alienação parental. Há genitores que se mudam de cidade e mudam a criança de escola sem avisar ao outro pai, que entra em desespero”, afirma o advogado.
Moeda de troca
Mendes explica ainda que não é difícil encontrar quem use mentiras para tentar desmerecer o ex-cônjuge e conseguir uma guarda unilateral. “Existem os que usam os filhos para obter proveito econômico. No meio do processo do divórcio, brigam pela guarda da criança como uma moeda de troca”.
A boa notícia é que cresce cada vez mais o número de pais que não se contentam em ver os filhos somente em dois sábados e dois domingos por mês, lutando por um convívio maior. “São homens que querem um vivência com mais qualidade e intensidade”, destaca.
Fonte: Hoje em Dia