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Para Ronaldo Brêtas, população deveria ter um ?caso de amor? com a Constituição
13/09/2013 10h30 - Atualizado em 09/05/2018 15h49
Para o professor Ronaldo Brêtas, há um hiato entre o povo e a Constituição. “É preciso criar um sentimento constitucional na população”, diz o constitucionalista, que concedeu entrevista à Amagis para a série especial sobre os 25 anos da Constituição de 1988.
Brêtas é Doutor em Direito Constitucional e mestre em Direito Civil pela UFMG, professor na PUC Minas e autor do livro “Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito”, pela Editora Del Rey.
Passados 25 anos, qual sua avaliação sobre a Constituição de 1988?
Em primeiro lugar, foi a única Constituição brasileira produzida com alguma participação do povo na elaboração de seu texto, porque as constituições anteriores sempre foram elaboradas por grupos políticos e sempre em momentos de crise institucional. A Constituição de 1988 foi elaborada de sorte a finalizar o período do Regime Militar e, ao mesmo tempo, configurar um novo Estado, que é o Estado Democrático de Direito. Sob esse ponto de vista, essa Constituição se revela de grande valor histórico. Outro aspecto positivo é que essa Constituição, desde o momento em que entrou em vigor, nunca gerou crises institucionais, ao contrário também das anteriores. De 1988 para cá, criou-se uma estabilidade institucional.
Ressalto de negativo algo que não é propriamente com o texto da Constituição. É com a mentalidade de nossos políticos e com a falta de percepção do povo. Qualquer Constituição nunca será perfeita, mas, para que esses defeitos possam ser contornados e para que a Carta Magna possa ser eficaz, é preciso que o povo – e quando digo povo estou me referindo a governantes e governados – tenha um sentimento constitucional concretizante, com aquilo que Habermas chamava de “patriotismo constitucional’. É um espírito cívico-político que todos devem ter, no sentido de zelar pelo cumprimento da Constituição. Isso, infelizmente, não temos no Brasil. É preciso criar um sentimento constitucional na população, como já escrevei em meus livros, que deveria ser chamado de ‘um caso de amor com a Constituição’.
Mudar essa realidade pode ser complicado e levar muito tempo. Como fazê-lo?
Deveria haver alguma programação do Estado nesse sentido. Uma das sugestões que eu faço seria introduzir nos currículos escolares, dos ensinos fundamental e médio, uma disciplina que poderia ser chamada de ‘estudos constitucionais’ ou de ‘direitos fundamentais e cidadania’, para que as crianças se habituassem a verificar a cumprir o texto da Constituição e perceber a importância disso na consecução institucional do Estado.
A que o senhor credita essa distância entre o povo e a Constituição?
Em parte, pela falta de educação constitucional do povo. Mas também pela despolitização. O Brasil, depois de 1964, ficou despolitizado. Na minha geração, a do pós-guerra, não era assim, ela era mais politizada. Na medida em que se tem um grau maior de politização, essa preocupação com o texto constitucional e o respeito às instituições que foram configuradas pela Constituição são mais latentes. Uma forma de corrigir isso seria aprimorar a educação.
Por outro lado, isso obedece a uma tradição histórica que temos, diferentemente dos Estados Unidos. Lá, em 1776, quando o povo americano resolveu proclamar sua independência, isso custou uma guerra de muitos anos com a Inglaterra e a primeira preocupação foi a elaboração de um texto constitucional. A nação já surgiu com um comprometimento com a Constituição. Houve uma preocupação de se criar uma nova configuração do Estado , mas também a criação de um Estado-Nação. Esse foi um sentimento popular.
Aqui no Brasil, isso não aconteceu. A nossa independência obedeceu a um processo histórico diferente. A independência foi proclamada no dia 7 de setembro de 1822 e o Brasil não teve Constituição. Só tivemos o primeiro texto em 1824. Não tivermos esse sentimento da criação de um Estado-Nação. A única forma de corrigirmos essa distorção é investirmos na educação e na cultura.
Uma das críticas que é feita à Constituição é a de que ela seria muito prolixa. O senhor concorda com isso?
Sob o ponto de vista técnico, essa crítica não tem razão de ser, porque uma das características das constituições depois da 2ª Guerra Mundial - constituições que configuram Estados Democráticos de Direito e zelam pelo respeito aos direitos fundamentais – é serem extensas. Poderia citar, por exemplo, a Constituição da Índia, de 1949, que tinha 372 artigos; a iugoslava, de 1974, com 403 artigos; a de Portugal, de 1976, com 300 artigos; e a do Uruguai, de 1996, com 332 artigos. A brasileira, de 1988, tem 245.
Portanto, pode-se perceber que a nossa não é tão extensa assim. As constituições têm a preocupação da organização político-institucional do Estado, mas também é preciso que ela traga uma enumeração dos direitos fundamentais e, no nosso caso, separou-se também os direitos sociais. Por isso os artigos 5º e 6º são muito extensos. Mas isso já vinha acontecendo na Constituição mexicana, por exemplo, de 1917, que foi a primeira Constituição do chamado estado social. Portanto, Isso é normal, é uma característica atual. Não é defeito, é qualidade.
Qual sua opinião quanto à proposta de constituinte para a reforma política?
A reforma política tem que ser feita. Penso, porém, que não há necessidade de constituinte para isso. Haverá necessidade de se fazer emendas constitucionais, como vêm sendo feitas ao longo desses 25 anos. A reforma política exigirá mais leis ordinárias. Mas, para que se possa dar constitucionalidade, é preciso algumas alterações na Constituição. Contudo, não há necessidade de uma nova constituinte para isso. Questões, por exemplo, relativas à grande quantidade de partidos existentes no Brasil e ao financiamento das campanhas, que são pontos mais importantes, são questões que não exigem uma constituinte.
A Amagis iniciou, em setembro, uma série de entrevistas com constitucionalistas brasileiros. O primeiro entrevistado foi o jurista Ives Gandra da Silva Martins.