Assinam o parecer os professores Ives Gandra da Silva Martins, da Universidade Mackenzie; André Ramos Tavares, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; e Luis Eduardo Schoueri e Roque Antonio Carrazza, da Universidade de São Paulo. Completam a lista o presidente da seccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D’Urso, e o presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da entidade, Walter Carlos Cardoso Henrique.
Tanto poder de fogo tem um objetivo claro: impedir que procuradores de fazendas nacional, estaduais e municipais possam penhorar bens antes do ajuizamento das execuções fiscais, mudança prevista no Projeto de Lei 5.080/2009, um dos quatro projetos similares que tramitam em caráter de urgência na Câmara. Além da proposta, o PL 5.082/2009 e o Projeto de Lei Complementar 469/2009 abrem também a possibilidade de que as dívidas, antes de serem executadas, sejam discutidas em câmaras de arbitragem — uma regulamentação da chamada transação fiscal. Já o PL 5.081/2009 regulamenta o oferecimento de bens em garantia pelos contribuintes devedores, enquanto a cobrança ainda estiver na esfera administrativa. Uma comissão especial foi criada na Câmara no fim do ano passado para estudar os projetos.
A explicação do fisco para a necessidade de mudança é a lentidão do sistema atual, regido pela Lei de Execução Fiscal, a Lei 6.830/1980. “Todo processo, desde o seu início, com a citação do contribuinte, até a sua conclusão, com a arrematação dos bens e satisfação do crédito, é judicial, ou seja, conduzido por um Juiz. Tal sistemática, pela alta dose de formalidade de que se reveste o processo judicial, apresenta-se como um sistema altamente moroso, caro e de baixa eficiência”, diz a explicação de motivos do PL 5.080/2009.
De acordo com o PL 5.080/2009, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ganha o poder de sequestrar bens do contribuinte que não provar ter cumprido com suas obrigações. Um mero ofício expedido por um procurador será suficiente para fazer o que hoje depende de um pedido ao juiz, que defere a constrição somente se não houver outros meios de garantir a cobrança. Dinheiro, imóveis e bens de capital entram na lista — posses que o devedor fica obrigado a relacionar ao fisco ao ter seu débito inscrito em dívida ativa. Um sistema nacional reunirá, conforme o projeto, o cadastro dos bens. O Judiciário só é chamado a atuar na primeira fase nos casos em que não houver bens de fácil acesso. Em todos os outros, as fazendas só são obrigadas a ajuizar a execução 30 dias depois da primeira constrição.
Para os tributaristas, no entanto, a ideia afronta a Constituição. “Não pode haver transferência patrimonial forçada sem o crivo prévio do sempre imparcial e equidistante Poder Judiciário”, dizem. Além disso, uma lei dessa natureza privilegiaria o Estado, que poderia “fazer sua justiça com as próprias mãos, sem a intervenção de um Juiz Natural”.
Os advogados se baseiam nas previsões do artigo 5º da Constituição, que, em seus incisos XXXV e LIV, garante que toda ameaça a um direito possa ser levada à Justiça , e que ninguém será privado de bens ou da liberdade sem um processo legal no qual possa se defender. O parecer também atribui a morosidade nas cobranças via Judiciário à falta de recursos humanos tanto nas procuradorias quanto no Judiciário, o que não justificaria uma modificação no procedimento de execução fiscal.
Inversão de ônus
Outra crítica se refere à inversão do ônus da prova nos casos tributários, que o governo federal pretende enxertar no Código Tributário Nacional. O PLP 469/2009 prevê que o administrador que não provar ter agido com diligência no comando da empresa será responsabilizado subsidiariamente pela dívida fiscal. “Como demonstrar que não se praticou alguma conduta é algo impossível, chega a ser caricata a modificação que se pretende”, dizem os pareceristas.
As ideias não agradam sequer aos procuradores da Fazenda Nacional. Em assembleia organizada em 2008, o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional votou pela rejeição do então anteprojeto apresentado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. O receio dos procuradores é que o excesso de trabalho com as constrições impeça uma arrecadação satisfatória e leve o governo a privatizar as cobranças. “Nosso medo é que esse projeto passe, mas não haja uma estruturação adequada do órgão”, diz Anderson Bittencourt, presidente do Sinprofaz.
Segundo ele, os procuradores não têm condições de fazer o trabalho hoje desempenhado pelos oficiais de Justiça, de visitar os endereços dos devedores e, caso preciso, fazer arrombamentos para penhorar bens. “Paralelamente ao projeto de execução administrativa existe outro, de criação de uma carreira auxiliar à de procurador, a de oficial da Fazenda Pública. Mas como isso depende de concurso público, treinamento e cursos, pode ser deixado de lado pelo Executivo”, afirma.
O temor não é sem motivo. A cobrança de créditos tributários de produtores rurais em valor menor que R$ 10 mil já são incumbência do Banco do Brasil e não de procuradores. A chamada “bancarização”, segundo Bittencourt, pode ser uma consequência da administrativização das penhoras.
Apesar disso, o sindicalista reconhece que a mudança dará agilidade às cobranças. “O procurador substituirá o juiz só em parte, já que qualquer devedor pode recorrer ao Judiciário imediatamente, se tiver bens bloqueados”, explica. “Esse modelo se espelha em experiências de países como Espanha e Estados Unidos, e vai de encontro com o interesse de quem sonega”.
No entanto, Bitencourt não negou que contribuintes que ainda discutam débitos administrativamente tenham bens penhorados. “Falhas podem acontecer, mas a experiência é boa em outros países. Além disso, se todos pagarem, a carga tributária poderá ser menor”, avalia.
Fonte: Alessandro Cristo / Conjur