Há um ano na presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Cezar Peluso já imprimiu sua marca na instituição: o STF é hoje uma Corte mais discreta, menos ofensiva, mas ciosa de sua soberania, como se viu na decisão de manter preso o ex-terrorista Cesare Battisti, causa que o governo que o nomeou vê, estranhamente, quase como uma questão de vida ou morte.
Os quarenta anos de magistratura do atual chefe do Judiciário dão à sua gestão segurança e traços muito próprios de quem dedicou a vida à carreira. Presidencialista convicto, o ministro gosta de decidir sozinho. Nem mesmo a proposta que apresentou de antecipar o trânsito em julgado para o Recurso Extraordinário no STF e para o Recurso Especial no STJ — como forma de prestigiar a primeira e a segunda instâncias e reduzir o tempo de tramitação dos processos — foi discutida internamente.
No aspecto corporativo, o presidente do STF não esperou um dia sequer para conversar com a presidente da República, Dilma Roussef, sobre a crítica situação salarial vivida pelo Judiciário. Foi uma das primeiras audiências do novo governo. O ministro nada disse antes ou depois do encontro, mas ninguém duvida que ele escancarou a defasagem vivida pelo setor, que vive um movimento de evasão de quadros e talentos para a iniciativa privada, para o Legislativo e para o Executivo. A desatenção para essa realidade pode redundar em uma greve sem precedentes na Justiça.
No plano operacional, o ministro empenhou-se na conclusão do projeto de implantação do processo eletrônico, que já abrange todas as ações originárias do STF e dinamizou o atendimento nos plantões judiciários. Desde dezembro, a corte recebe pedidos eletrônicos aos sábados, domingos e feriados, que são distribuídos imediatamente pela secretaria aos ministros, como conta Peluso em entrevista à Consultor Jurídico.
"Esteja onde estiver, até no Afeganistão, de lá o ministro consegue visualizar a petição e os documentos, e pode despachar", comemora.
A tecnologia também foi responsável por aumentar a quantidade de decisões sobre a repercussão geral das matérias, critério para a admissão de novos recursos na corte. Em cumprimento a metas estratégicas estabelecidas pelo presidente no início de sua gestão, o Plenário Virtual do tribunal já define a relevância, por mês, de pelo menos dez assuntos por mês.
O resultado é o inédito número de menos de 90 mil processos por julgar no acervo do Supremo. É a primeira vez em 11 anos que a corte atinge essa marca, uma diminuição de cerca de 10% na quantidade de ações em trâmite em relação a 2009. Ao anunciar esses números aos ministros em dezembro, Peluso não esqueceu do que motivou o milagre: o filtro da repercussão geral para o recebimento de recursos, implantado na gestão da ministra Ellen Gracie, e que teve a aplicação ampliada pelo ministro Gilmar Mendes. Desde 2007, a corte recebe 41% menos processos devido à barreira. Em 2010, foram aceitos apenas 34 mil. Três anos antes, foram 106 mil.
O ano do Supremo não foi agitado só na forma. No conteúdo, o ministro elenca entre as decisões que viu como mais importantes no ano passado, a declaração de constitucionalidade da Lei de Anistia, a Lei 6.683, de 1979. Para ele, ao reconhecer como anistiados tanto militantes contrários à ditadura militar quando agentes públicos que cometeram crimes a serviço do regime, a corte ajudou o país a virar a página. "Para que serviria hoje a apuração de responsabilidades se ela não pode ser usada para mais nada? Todas as ações estão prescrevendo, penais e civis", afirma.
A lista de julgamentos de impacto é extensa. De 2010, além do julgamento que autorizou a extradição do italiano Cesare Battisti, ex-revolucionário de esquerda condenado por quatro homicídios na Itália, Peluso destaca a decisão que liberou o humorismo nas campanhas eleitorais; a que, às vésperas das eleições, dispensou a apresentação do título de eleitor nas votações; a possibilidade de liberdade provisória para acusados de tráfico de drogas; e a não permissão de que a União interviesse na administração do Distrito Federal, depois de uma série de escândalos. A primeira punição, na área penal, de um político pelo Supremo, seguida logo depois de outras três, também foram marcos, na opinião do presidente.
Do CNJ, projetos como a instalação de serviços judiciários nas Unidades de Polícia Pacificadora nas comunidades cariocas são a menina dos olhos do presidente. "Essa foi a melhor medidados últimos 10 ou 15 anos. Vale por 50 gestões, por 500 ações afirmativas", afirma. É, segundo ele, o catalisador da pacificação social necessária em lugares que há anos só conheciam o Estado pelos noticiários da TV.
Fiel ao princípio de que juiz só fala nos autos, cultivado pela maioria dos magistrados de carreira, Peluso evita polêmicas pela imprensa, o que não quer dizer que foge delas. Foi ele, por exemplo, quem levantou o debate, no CNJ, sobre a possibilidade de tramitação direta de inquéritos entre o Ministério Público e a Polícia, sem o Judiciário como intermediário. Só a ideia já arrepia os advogados, que veem na possível mudança uma ameaça às garantias dos investigados, principalmente as relativas a sigilo.
Prático, ele também se inclina a favor da proposta de o fisco poder penhorar bens de devedores antes mesmo que as cobranças virem execuções fiscais na Justiça. O bloqueio administrativo prévio de garantias é um sonho antigo da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, impulsionado nos últimos anos pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, ex-chefe da PGFN. A intenção é evitar que, durante o intervalo entre a cobrança administrativa e o ajuizamento das execuções, haja dilapidação de patrimônio pelos devedores.
A briga pelo reajuste dos ordenados do Judiciário promete alta temperatura. A proposta encaminhada ao Executivo foi de 56% de reajuste no salário dos ministros do Supremo, que repercutirá nos vencimentos de todos os magistrados. O valor ainda é discutido na proposta orçamentária para 2011.
No entanto, ele foi voto vencido na votação sobre a extensão de benefícios de procuradores da República a juízes. No CNJ, votou contra o entendimento de que, devido ao fato de os membros do Ministério Público poderem vender suas férias — o que está previsto na Lei Orgânica do MP —, os magistrados também podem, mesmo sem permissão expressa na Lei Orgânica da Magistratura. Para ele, ao permitir o benefício, o CNJ fez o que a Constituição jamais lhe permitiu: legislou.
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Fonte: Conjur