Apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), a PEC 15/2011 traz o trânsito em julgado para a segunda instância, transformando os recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça em ações rescisórias, respectivamente, extraordinária e especial. Inspirada na polêmica PEC dos Recursos, proposta pelo presidente do STF, ministro Cezar Peluso, que propunha extinguir o efeito suspensivo dos recursos aos tribunais superiores, a PEC do senador Ferraço tem gerado igual desconfiança em estudiosos e advogados.

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado já anunciou que vai convocar uma audiência pública para discutir a PEC 15/2011. A Assessoria de Imprensa do STF declarou que "a proposta pode ser encampada pelo III Pacto Republicano", e que Peluso "deve comparecer ao evento".

Segundo Sidnei Amendoeira Júnior, professor de Processo Civil da FGVLaw, ao transformar os recursos em demanda, a proposta cria a impressão de que a situação se mantém a mesma, mas os custos, a burocracia, a formalidade, e, consequentemente, o acesso aos tribunais superiores, pode mudar. Para pior ou melhor, isso quem vai dizer é a lei que vai regulamentar a nova espécie de ação.

O professor de Direito Penal e de Processo Penal do Mackenzie, Alexis Couto de Brito, vê aspectos vingativo e simbólico na proposta. “Do ponto de vista do réu não vejo melhoria. Essa medida só se justificaria se beneficiasse o sistema jurídico, o que à primeira vista, não acredito que vá acontecer”. Ele vê na PEC uma tentativa de se responder à sociedade sobre a ineficiência estatal, “que não consegue julgar os recursos a contento” prejudicando o jurisdicionado.

Além de não acreditar que, se aprovada, a proposta vai reduzir o volume de trabalho dos tribunais superiores, o professor de Direito Constitucional e coordenador do curso de Direito da PUC-SP, Roberto Baptista Dias da Silva, entende que a medida é uma “tentativa inconstitucional de redução das possibilidades de defesa e de recurso”

Ele observa que isso já tem sido uma tendência, a partir da adoção de outros instrumentos, como a súmula vinculante e a repercussão geral. “Me parece que esses instrumentos que já estão sendo aplicados são suficientes pra que o STF tenha uma pauta de julgamento mais racional”, diz.

Entre propostas
Dias acredita que a PEC 15/2011 é uma tentativa de evitar a possível alegação de inconstitucionalidade que seria feita contra a proposta divulgada por Peluso, por violar o inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal. O dispositivo garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A violação ocorreria na medida em que a pessoa seria considerada culpada antes do julgamento final.

Na proposta divulgada pelo ministro, o artigo 105-A do Código de Processo Civil teria a seguinte redação: "a admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte".

Contudo, ele diz que essa nova PEC, que determina que o julgamento final já seja na 2ª instância, continua restringindo as garantias constitucionais ao acesso à Justiça e à ampla defesa. Ele identifica nela um “subterfúgio jurídico para antecipar o trânsito em julgado, por via transversa, mas a solução é igualmente inconstitucional”.

Quanto ao objetivo da medida de desafogar o Judiciário, Dias acredita que isso não vai ser alcançado, já que as ações rescisórias serão propostas no lugar dos recursos. Por outro lado, ocorrerão punições injustas, na medida em que o condenado poderá vir a ser considerado inocente em posterior ação rescisória aos tribunais superiores.

Orçamento
“A ideia por si só não é ruim, porque é a favor da coisa julgada mais célere, mas deve ser tomado cuidado quanto à burocracia, formalidade e custo”, acredita Amendoeira Júnior. Segundo ele, a consequência imediata da proposta é a aceleração do trânsito em julgado e a extinção da execução provisória.

O professor explica que é provável que custas vão aumentar, já que atualmente as ações rescisórias exigem depósito prévio de 5% do valor da causa. “É verdade que a lei pode isentar as custas e o depósito, mas duvido”, admite.

Quanto à formalidade, ele explica que, atualmente, os recursos aos tribunais superiores são muito formais e os tribunais de segunda instância (Tribunais de Justiça dos estados e Tribunais Regionais Federais) costumam rejeitar seus seguimentos. Com isso, os recorrentes costumam apresentar Agravos de Instrumento de Despacho Denegatório nos tribunais superiores, os quais, com a PEC provavelmente serão extintos.

“Se for um jeito de minorar a formalidade, a proposta será salutar”. O advogado conta que hoje em dia existe o que é chamado de jurisprudência defensiva, que é formada pelas decisões de segunda instância que impedem os recursos especiais de chegarem ao STJ.

Ele observa que a proposta repete as hipóteses de cabimento dos recursos, e, “teoricamente também repete o volume de trabalho”. Segundo ele, apesar dos tribunais superiores não poderem rever matéria de fato, o que acontece na prática, é que “temos algo como quatro instâncias, porque o trânsito em julgado pode se dar só no STF. Isso é péssimo”.

Apesar de reconhecer que a ideia é inteligente, ele admite temer “o afã da celeridade e efetividade que pode deixar o devido processo legal em segundo plano”. Ao final deixa claro que “só vamos descobrir se é mais ou menos prejudicial com a edição da lei”.

Simbolismo
O especialista em direito penal, Alexis Brito, explica que os recursos ao STF e ao STJ são previstos na Constituição Federal, mas regidos pela Lei 8.038/1990 e pelo Código de Processo Civil. Como a PEC pretende tirar da Constituição a existência desses recursos, provavelmente vai ter como consequência a alteração da Lei 8.038/1990, para mudá-la ou revogá-la.

O criminalista entende que a proposta é negativa na medida em que prejudica os réus, que já começarão a cumprir as penas pelas quais são condenados após o julgamento da 2ª instância. Contudo, ressalva que devem ser considerados os possíveis efeitos ao Estado Democrático de Direito e ao Judiciário, e acredita que, à primeira vista, a sensação de morosidade vá continuar.

Ele vê uma característica vingativa na proposta já que ela acaba por privilegiar o aspecto retributivo da pena, em detrimento do preventivo, punindo as pessoas antes do que hoje em dia. Também acredita haver um objetivo simbólico de mostrar para a sociedade que as pessoas estão sendo presas, e observa que essa impressão poderia ser criada por julgamentos mais céleres.

O professor também afastou o argumento de que alguns casos prescrevem enquanto esperam que os recursos aos tribunais superiores sejam julgados. “Não é motivo suficiente. Basta que os tribunais julguem antes”.

Por fim, ele observa que apesar de se poder impetrar Habeas Corpus no caso das condenações, “estamos vivendo mudanças do Código de Processo Penal, que podem restringir os casos de cabimento dos HC”.

Segurança
Eduardo Parente, doutor em Direito Processual pela USP e sócio do Salusse Marangoni Advogados vê segurança jurídica na proposta. “A iniciativa demonstra louvável intenção de tornar as decisões judiciais menos questionáveis. Isso é positivo para o país, pois faz as relações jurídicas mais estáveis, mais previsíveis e mais seguras, com o incremento da confiança em nosso sistema jurídico e nas nossa instituições, inclusive com benefícios em termos de investimentos externos no país, pois, infelizmente, o estrangeiro ainda tem a sensação de que as decisões judiciais nada valem no Brasil.”

Fonte:Conjur