O perito criminal Osvaldo Negrini foi a primeira e única testemunha de acusação ouvida nesta segunda-feira (31), na terceira etapa do julgamento do Massacre do Carandiru, no Fórum Criminal da Barra Funda. Prevista para fevereiro deste ano, a terceira etapa acabou sendo cancelada pelo juiz e retomada nesta segunda-feira, após reclamação do advogado de defesa dos policiais, Celso Vendramini.
Negrini foi ouvido como testemunha de acusação em todas as etapas do julgamento. Depois dele, serão ouvidas três testemunhas de defesa: o agente penitenciário Francisco Carlos Leme, chefe de plantão no dia do massacre, o então secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, e o desembargador Fernando Antônio Torres Garcia, que era juiz corregedor na época.
Nesta fase do julgamento, 15 policiais integrantes do Comando de Operações Especiais estão sendo julgados por duas tentativas de homicídio e pela morte de oito presos que estavam no quarto pavimento (ou terceiro andar) do Carandiru. Nas outras etapas, todos os policiais foram condenados. Sete jurados – seis homens e uma mulher – vão julgar os 15 acusados nesta fase.
O perito disse que esteve no Carandiru no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos após invasão policial para conter uma rebelião de presos. Ele lembrou ter visto, naquele dia, 89 corpos de detentos “empilhados” no segundo pavimento (primeiro andar) do Pavilhão 9.
Segundo Negrini, no dia do massacre, foi difícil fazer a perícia, entre outras razões, porque faltava luz no local. Com isso, a primeira perícia oficial foi feita sete dias depois, quando “vários vestígios já tinham sumido”. “Os vestígios de sangue tinham sido lavados e os projéteis, recolhidos”, e a perícia acabou sendo feita com base principalmente nos buracos de projéteis que ficaram nas paredes e não puderam ser removidos. “Várias celas estavam esburacadas e tinham marcas de balas”, lembrou.
De acordo com o perito, o Pavilhão 9, local do massacre, era formado por cinco pavimentos. O primeiro era o térreo. No quarto pavimento (terceiro andar), onde agiram os 15 policiais que são réus no atual julgamento, foi encontrada apenas a marca de um projétil na parede da Cela 9-416E (o 9 indica o número do pavilhão, o 4 indica o pavimento, o 16 indica a posição da cela e o E se refere à cela externa). “O quarto pavimento, em comparação aos demais, foi o menos atingido. Apenas em uma cela havia vestígio de marca de tiro na parede. Era um único impacto de projétil na parede, no interior da cela, indicando que o tiro foi feito de fora [do corredor] para dentro da cela”, explicou Negrini.
O perito, que falou durante cerca de duas horas, disse que não houve confronto entre policiais e detentos nesse local, tal como a defesa dos policiais afirma. “Não houve confronto. Não houve vestígio material algum, no sentido oposto, indicando confronto nesse episódio.”
Segundo ele, o fato de ter sido identificado apenas um vestígio de bala na parede não exclui a hipótese de ter havido execução dos detentos pelos policiais. “Os projéteis podem ter ficado nos corpos. Outro detalhe é que o piso é de concreto muito duro e, por isso, pode não ter deixado nenhuma marca de bala”.
Para o advogado dos réus, no entanto, é impossível ter havido execução, se praticamente não há marcas de tiros nas paredes. Além disso, diz Vendramini, é impossível dizer qual detento foi morto por qual policial. Para ele, isso invalida a acusação sobre os policiais.
Na manhã de hoje, membros da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo fizeram um protesto contra a condenação de policiais nas etapas anteriores do julgamento. Eles distribuíram um manifesto em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, no qual manifestam profunda indignação com os resultados do julgamento. Eles destacaram que, no dia do massacre, policiais militares que estavam de serviço e também de folga foram chamados para controlar a situação no Carandiru.
“Receberam ordem direta do secretário da Segurança [Pedro Campos], apoiado pelo governador [Luiz Antonio Fleury Filho], para invadir o presídio e dominar a situação, que poderia facilmente se estender para as ruas e colocar em risco a população”, lembrou a associação. “Os policiais, como não poderia deixar de ser, obedeceram a ordem e invadiram o presídio. Houve confronto, e o resultado, todos nós sabemos”, disseram os manifestantes, que reclamam do fato de o governador e o secretário terem dado a ordem e serem excluídos do processo.
Fonte: Agência Brasil