No primeiro turno das eleições presidenciais da Colômbia, em 30 de maio de 2010, o candidato governista Juan Manuel Santos obteve 47% dos votos válidos, contra 21% dos votos dados ao candidato do Partido Verde, Antanas Mockus. No entanto, pesquisas de opinião, anteriores ao pleito, apontavam empate técnico entre os dois candidatos (Folha de São Paulo, 31.05.2010).

No Brasil, em 2004, o Ibope, no curto intervalo de uma semana, divulgou duas pesquisas contraditórias sobre intenções de voto em candidatos às eleições para a prefeitura de São Paulo. O resultado da primeira pesquisa, encomendada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), apontava “empate técnico” entre os postulantes José Serra (PSDB), Paulo Maluf (PP) e Marta Suplicy (PT). O resultado da segunda pesquisa, encomendada pela TV Globo, apresentava o candidato José Serra isolado à frente das intenções de voto, secundado por Paulo Maluf e Marta Suplicy, respectivamente. O Ibope divulgou nota à imprensa: “Pesquisas de opinião pública medem sempre um determinado momento da realidade. (...) Cabe ao Ibope acompanhar com precisão natural a evolução da opinião ao longo das campanhas políticas” (Folha de São Paulo, 30.06.2004).

Para evitar esse tipo de perplexidade, a chamada “mini-reforma eleitoral” (Lei nº 11.300/2006) proibiu a divulgação de pesquisas eleitorais, por qualquer meio de comunicação, nos 15 dias que antecedem a eleição e até as 18 horas do dia do pleito (artigo 35-A, acrescentado à Lei nº 9.504/97 – Lei das Eleições).

Todavia, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mantendo jurisprudência anterior, decidiu que o preceito é inconstitucional. Entendeu haver violação à garantia da liberdade de expressão e do direito à informação, conferidos pela Constituição Federal de 1988: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (artigo 220, §1º).

Peço licença para discordar. Nos 24 anos de exercício das carreiras de promotor de justiça e magistrado, atuei em diversas eleições no interior e na capital de Minas Gerais. Observei o grande contingente de eleitores que votam nos candidatos “favoritos”, segundo os índices de intenção de voto revelados pelas pesquisas eleitorais. Esses cidadãos não gostam de “perder o voto”.

Isso não é sufrágio livre e consciente. Ao contrário, é uma das nódoas da democracia brasileira. Pesquisas são realizadas e divulgadas dentro de protetora “margem de erro”. Por isso, erraram, erram e errarão sempre. Embaraçados pelos “erros”, analistas, publicitários, cientistas políticos e palpiteiros em geral, recorrem a fatores “imprevisíveis” para isentar de responsabilidade os institutos de pesquisa de opinião pública.

Ora, o papel do juiz moderno é interpretar as leis com a visão holística do sistema jurídico. A fonte maior do nosso direito é a Constituição Federal. Ela qualifica o Brasil como “Estado Democrático de Direito”. Um de seus pilares é a soberania popular, “exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos” (artigos 1º e 14).

A liberdade de expressão e o direito à informação são realmente garantias invioláveis e fundamentais. No entanto, em se tratando de pesquisas eleitorais, passíveis de viciar a decisão soberana do eleitor, aquelas garantias devem ceder diante de um valor maior: a preservação da legitimidade das eleições. Somente com o voto livre e consciente dos eleitores construiremos a grande nação sonhada por todos os brasileiros.


Este artigo foi publicado no jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte, edição do dia 03 de junho de 2010, seção Praça Pública.

Rogério Medeiros Garcia de Lima é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Doutor pela UFMG e professor universitário.