Juiz Bruno Terra Dias*

Há pessoas e instituições na vida pública, num intercâmbio que, ocasionalmente atritoso, deve ser respeitoso e preservar um mínimo de urbanidade. Normalmente, as crises de convivência são representativas de falhas humanas, menos que defeitos próprios das instituições; a incompreensão sobre os limites competenciais de cargos e funções, frequentemente acompanhada de arroubos personalíssimos, resulta em conflitos que podem chegar a comprometer a normalidade do próprio Estado de Direito.

Defesas judiciais, em todas as instâncias, chegando ao Supremo Tribunal Federal, e administrativas, perante a Corregedoria de Justiça, o Conselho da Magistratura, a Corte Superior e o Conselho Nacional de Justiça, fazem parte do cotidiano da vida associativa. Mas, ultimamente, tem surgido uma nova necessidade de atuação, de verificação pouco comum no histórico da Amagis: a impetração de habeas corpus em favor de magistrados investigados sem observância das garantias materiais e processuais previstas em lei, e mesmo em contrariedade à expressa prerrogativa disciplinada em lei complementar.

O assunto é sério e merece reflexão, preservando as instituições dos erros de seus membros.

Nunca será demais lembrar que a favor de todos, inclusive de nós, magistrados, são conferidas certas garantias mínimas, sem cuja observância não se pode reconhecer a existência de um Estado Democrático. Trata-se de conquistas da civilização ocidental, que custaram séculos para serem alcançadas e o sacrifício de muitas gerações. Devido processo legal, processo justo, observância e não-supressão do juízo administrativo competente, direito à defesa e ao contraditório somam-se a prerrogativas específicas, previstas na Loman (por mais retrógrada e antidemocrática que sejam sua origem e inspiração, a Lei Complementar 35/79 ainda está vigente e há dispositivos que deverão ser repetidos ou aprimorados no Estatuto da Magistratura, em paquidérmica gestação de mais de vinte anos), como a de ser investigado pelo órgão especial do tribunal, ou por instituição não judiciária expressamente autorizada em procedimento regular.

Mas tudo isso demanda constante vigilância. Acontecimentos recentes reclamaram apuração cuidadosa, reunião de farta documentação, diplomática visitação a autoridades, contratação de escritório de advocacia especializado e o enfrentamento de riscos diversos que colocavam em xeque a autonomia e independência do magistrado e do próprio Poder Judiciário.

Investigações encetadas em completa afronta ao parágrafo único do art. 33 da Loman, sob pretenso amparo em controle de constitucionalidade administrativo interno, representam escárnio à ordem jurídica. Não há, nos termos da Constituição de 1988, autoridade administrativa municiada de poderes para declaração de inconstitucionalidade de lei em tese, ou sua não-recepção pelo ordenamento constitucional vigente. O fato torna-se mais grave ainda diante da constatação de que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu, em tantas oportunidades, nas mais diversas causas sob seu julgamento, a recepção da Loman pela ordem jurídico-constitucional de 1988.

Além da necessidade de impetração de seguidos habeas corpus, para garantia de direitos e prerrogativas, a magistratura brasileira vem padecendo com a reiterada inobservância de preceitos de direito material e/ou processual em julgamentos do Conselho Nacional de Justiça. De lembrar, os recentes casos em que a atuação altiva e histórica da Amagis, na contenção de abusos e atentados ao Estado Democrático de Direito, obteve pronunciamentos favoráveis no Supremo Tribunal Federal, em sede liminar, para suspensão de efeitos de decisões em processos administrativos que resultaram em remoção e disponibilidade compulsória de magistrados mineiros, seja por desconsideração da instância administrativa originária como por violação do direito de expressão consagrado em tratados internacionais subscritos e ratificados pelo Brasil.

O respeito à Constituição e aos valores democráticos nela inscritos necessitam ser transformados em cultura para autoridades, não apenas judiciárias, tornando-se prática comum de todos, seja nas relações de direito público como na vida privada. Chegará o dia que uma violação será considerada, como deveria ser, um ultraje à democracia e à cidadania.


(*) Presidente da Amagis