Por entender que a interpretação jurisprudencial do artigo 1º do Decreto-Lei n° 25/1937 – que organiza a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – está em desconformidade com a Constituição Federal de 1988, a procuradora-geral da República em exercício, Sandra Cureau, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 206. Com a ação, a PGR busca nova interpretação do dispositivo, no sentido de incluir no enunciado da norma o conceito amplo de bem cultural, conforme os artigos 215 e 216 da Carta Magna vigente.
Apesar de reconhecer o Decreto-Lei nº 25/1937 como um “marco legal que instituiu o tombamento no contexto brasileiro, dando início aos trabalhos de preservação em âmbito nacional”, a autora entende que a interpretação que ainda se faz do artigo 1º da norma deve ser superada. Segundo a PGR, não cabe mais o entendimento jurisprudencial de que somente merecem proteção patrimonial os sítios ou paisagens de feição notável e os bens vinculados a fatos memoráveis da história brasileira que tenham excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico.
Conforme argumenta a autora, desde a década de 1980, e especialmente com o texto constitucional de 1988, houve significativa mudança de perspectivas no que se refere à proteção patrimonial no país, a qual se converteu em direito fundamental de dimensão coletiva e expressão de fraternidade. Também cita, na ação, fundamentos internacionais que vêm agregar esse novo posicionamento, tais como a Convenção Europeia para a Proteção do Patrimônio Arqueológico, o Conselho da Convenção Europeia sobre o Valor do Patrimônio para a Sociedade e a Convenção de Nairóbi, realizada pela Unesco em 1976.
Além disso, na visão da PGR, a Constituição de 1988 ampliou a ideia de patrimônio cultural, que “começou a ser formulada como fator, produto ou imagem de constituição e identidade dos povos, vinculada ao sentido de pertença e multiplicidade de elementos formadores da sociedade humana e à preservação de sua memória”. A interpretação do conceito, previsto no artigo 1º do Decreto-Lei 25/1937 continua, no entanto, englobando apenas o tratamento excepcional do valor do bem cultural.
Para a procuradora-geral em exercício, “o que importa, agora, é a atenção especial que se dá à cultura material e imaterial dos grupos sociais formadores da sociedade”, valorizando não mais somente o fundamento estético, mas o conceito de patrimônio relacionado à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, isto é, levando em consideração os bens culturais e históricos, como um reflexo dos valores, das crenças, dos conhecimentos e das tradições.
Com base em tais argumentos e apontando a presença dos pressupostos autorizadores da concessão de medida cautelar (fumaça do bom direito e perigo na demora), a PGR pede ao Supremo que julgue procedente a ADPF, dando-se interpretação conforme os artigos 215 e 216 da Carta Magna vigente, do art. 1º do Decreto-Lei n° 25/1937.
Fonte: STF