O presidente da Amagis, juiz Bruno Terra, abordou em sua coluna quinzenal, na revista digital DomTotal, os riscos que enfrentam os magistrados atualmente no exercício da profissão. O texto segue abaixo e as colunas anteriores podem ser lidas no site www.domtotal.com.


Juiz de Direito: profissão de risco

A morte da juíza Patrícia Acioli, do Estado do Rio de Janeiro, perpetrada certamente a mando do crime organizado, põe a público, mais uma vez, a situação precária que deslustra o início deste século. Antes dessa autêntica tragédia para a cidadania, outras de igual calibre se verificaram, como os assassinatos dos juízes Alexandre Martins de Castro Filho, do Estado do Espírito Santo, e José Antônio Machado Dias, do Estado de São Paulo. Os três casos revelam mortes evitáveis, todas executadas certamente por ordem do crime organizado, cujos interesses parecem ter sido fortemente contrariados pelas vítimas.

Juízes criminais recebem denúncias, fundamentando a decisão e subscrevendo o ato; presidem a instrução processual, ouvindo testemunhas e interrogando réus, de peito aberto e cara limpa, identificando-se para a prática dos atos e subscrevendo as assentadas; decidem questões surgidas no curso dos processos, ou mesmo em fase antecedente ainda não processual, apondo sua assinatura e desafiando recursos; sentenciam e determinam a intimação do réu, esteja preso ou solto, sempre identificando-se e subscrevendo o ato decisório, o mandado de prisão e mais ordens que se fizerem necessárias. Não escolhem as causas que preferem instruir ou julgar, mas colhem provas e sentenciam sempre que um processo é distribuído para sua vara, sem direito a recusa de jurisdição, salvo quando verificada alguma das causas de impedimento ou suspeição.

Ameaças, as mais diversas, frequentemente à pessoa do magistrado ou a seus familiares, estão se tornando uma constante. Uma triste rotina que desencanta vocações e obriga reflexões sobre o caminho a seguir, especialmente pelos mais jovens. A concessão de segurança, pessoal e familiar, não conforta, mas embaraça a vida social, afeta desempenho escolar dos filhos, aflige o cônjuge e reforça, a toda hora, a sensação de insegurança de uma escolha profissional feita em momento pleno de esperança.

Mas não apenas o temor da morte ou da ofensa à integridade física faz parte do dia a dia do magistrado. Espanta o número de casos de ofensas morais irrogadas por descontentamento de parte processual com alguma decisão (cível, criminal, de família, empresarial, fiscal, administrativa etc), quando bastaria o manejo do recurso previsto em lei. A violência se manifesta por muitas vias, e a dor moral, por vezes tão poderosa quanto o temor da agressão física, igualmente abate a pessoa de sérios propósitos que dedica sua vida ao ideal de fazer justiça.

A publicização de processos, ou do conteúdo de processos, que a lei determina tramitem em segredo, é outra fonte de martírio à pessoa de bem. Pior quando se trata de investigação, por supostos desvios administrativos ou diante de notícia de crime, contra quem se devota à causa da paz social. Representações formuladas contra magistrados, por vezes sem lastro em provas, mas extraindo conclusões de meras circunstâncias ou indícios, invertem a ordem do processo, fazendo com que o julgador se veja na condição de investigado. Situação triste, embora por vezes necessária, que deve ser tratada com extremo cuidado, não apenas em apreço à imagem da pessoa do magistrado, mas pelo que implica à cidadania pela desconfiança que pode atrair em confronto ao passado de tantas decisões proferidas, abalando a segurança construída pela sociedade em face do trânsito em julgado. A absolvição, ao fim de um processo publicizado, que deveria correr em segredo, não desfaz os males da injustiça que destrói a imagem pública e corrói a autoestima do magistrado submetido a apedrejamento moral.

Múltiplas são as possibilidades de avinagrar o sabor da vida de uma pessoa de bem. Os riscos enfrentados conscientemente, com coragem e determinação cívica, fazem parte da vida do magistrado. Mas a morte prematura, o temor da concretização de uma ameaça, o vilipêndio à honra (através da injúria, da calúnia e da difamação) e uma espécie de morte civil (por execução na praça pública dos veículos midiáticos) não deveriam tornar-se fatos de verificação frequente, tal como vem ocorrendo.

Ser magistrado sempre implicou arrostar perigos, mas ser juiz de direito, hoje, tornou-se profissão de risco.