Nelson Calandra compara magistrados perseguidos com Tiradentes

O conflito entre a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em torno da quebra de sigilo de juízes pode ter raízes em facções criminosas interessadas em arranhar a imagem do Judiciário. Essa é a opinião do presidente da AMB, Nelson Calandra. De acordo com o desembargador, os recentes ataques à credibilidade da magistratura brasileira não são meras coincidências.

"Eu não tenho dúvida disso. Vivemos num país onde quatro juízes e dois promotores foram assassinados recentemente e, em menos de um mês e meio, presenciamos quatro ataques contra fóruns. Pelos meus 30 anos de experiência, posso dizer que esses ataques conjuntos não são coincidência", ressalta Calandra. "Há mobilizações de organizações criminosas em vários estados se especializando em acusar magistrados de corrupção, tudo para bloquear a ação da justiça criminal. Isso já aconteceu no Goiás e no Pará".

Um fato que reforça essa teoria é a divulgação tardia de movimentações financeiras atípicas em tribunais pelo país. No Rio de Janeiro, a Ordem dos Advogados do Brasil pediu ao Tribunal Regional do Trabalho a apuração de uma série de transferências suspeitas registradas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). No total, R$ 282 milhões estão sob suspeita só no Rio. O problema é que as movimentações, realizadas há uma década, chegaram à tona apenas agora.

Procurado pela reportagem do JB, o Coaf esclareceu que os dados colhidos pelo órgão não são produzidos para divulgação, e as informações relativas aos tribunais fazem parte de um estudo específico encomendado pelo CNJ. Em 2002, quando aconteceu a movimentação atípica de R$ 282 milhões no TRT-RJ, a presidente do Coaf era Adrienne Senna, esposa do ex-presidente do STF e ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Ao JB, o ministro Marco Aurélio chegou a comparar os poderes do Coaf ao serviço de espionagem soviético.
"Eu fiquei pasmo quando veio à tona a notícia de que 230 mil pessoas tiveram o sigilo quebrado, e fiquei mais pasmo ainda com a atuação da Coaf, um órgão digno da KGB em termos de controle de vidas alheias", observou o ministro do STF.

Outro lado
A suposta conspiração contra o Judiciário não convence juristas favoráveis à manutenção dos poderes do CNJ. Para eles, a tentativa da AMB de proteger o sigilo dos magistrados e reduzir o poder de investigação do CNJ reforça o corporativismo do Judiciário, numa tentativa de mantê-lo alheio à fiscalização.

"Não há campanha alguma contra a imagem do Judiciário", garante o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ), Wadih Damous. "O que acontece é que associações como a AMB estão arranhando a imagem dos juízes justamente por estarem se agarrando a este sigilo. Se elas agissem de maneira mais transparente, não haveria crise alguma".

Para defender a manutenção do sigilo dos magistrados, o desembargador Nelson Calandra comparou-os a Tiradentes.

"Foi com base em pretensas irregularidades tributárias que o corpo de um brasileiro foi partido e espalhado por uma cidade para servir de exemplo aos outros. Sigilo fiscal é um direito assegurado pela Constituição", disse o presidente da AMB. "As minhas contas são abertas e estão à disposição do CNJ. Mas eu não posso obrigar todos a fazerem o mesmo quando a Constituição lhes condece o contrário".

Fonte: Jornal do Brasil