O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, disse nesta tarde que foi mal-interpretado pelo jornal Folha de São Paulo na conferência que proferiu nessa segunda-feira na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ele disse que não criticou o \"independentismo\" dos juízes de primeira instância – como o jornal anunciou – mas, sim, o fato de algumas decisões judiciais desconsiderarem entendimentos pacíficos dos tribunais superiores, para onde seguem por meio de recursos.

O ministro concordou com a manifestação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) que, baseadas na matéria equivocada do jornal, reafirmaram a necessidade de independência jurisdicional dos magistrados. \"Concordo, subscrevo e assino os abaixo-assinados da Ajufe, da AMB e de todas as associações internacionais a favor da independência do Judiciário. Eu já disse que a independência judicial é mais importante que catálogo de direitos fundamentais\", disse Gilmar Mendes.

Ele explicou que, quando juízes emitem sentenças e acórdãos divergentes do entendimento dos tribunais superiores, eles acabam contribuindo para a sobrecarga do Judiciário, pois provocam a subida da ação a instâncias superiores – o que é feito por meio de recursos impetrados pelos envolvidos. Isso justificaria parte da existência, hoje, de 56 milhões de processos nas mais diversas instâncias da justiça brasileira.

\"No próprio STF, temos posições divergentes; eu mesmo as tenho. Mas quando a posição se consolida no sentido contrário à minha ou a de qualquer colega, nós averbamos nossa posição, mas nos manifestamos em sentido contrário . É preciso fazer esse ajuste\", pediu. E acrescentou: \"Sou um radical defensor da independência judicial\".

MG/EH

Íntegra da declaração do ministro Gilmar Mendes sobre o tema:

\"Isso é uma grande confusão. Eu não fiz crítica no jornal Folha de São Paulo. Acho que o jornal Folha de São Paulo é que fez uma grande confusão aqui. Eu falei numa conferência na Fiesp, que os senhores acompanharam, sobre o tema \"Meios alternativos de decisão\". Eu falei que o Estado, as organizações em geral, têm uma grande responsabilidade nesse demandismo militante que está instaurado. Nós temos 56 milhões de processos.

Para explicar por que nós temos muitos processos: muitas questões já decididas acabam sendo repetidas. Por exemplo, o grande cliente do juizado especial federal é o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] em questões idênticas, que se repetem. Ele recusa a estender para as outras pessoas a orientação que já foi consolidada em relação aos que já foram à Justiça.

O que era a minha proposta: que houvesse uma abertura mental, um entendimento no sentido de que essa extensão se fizesse de forma automática, sem que as pessoas precisassem reclamar à Justiça (isto em relação à responsabilidade do Estado). Mas pode ser também em relação a uma entidade bancária, por exemplo, ou de telefonia, na discussão, por exemplo, sobre pulsos. Se uma agência reguladora fixar uma orientação, ou se o Judiciário fixar uma orientação, não precisaria haver repetição sobre isso.

E aí eu disse: também nós no Judiciário às vezes temos responsabilidade. E citei um caso específico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, e isso me foi contado pelo presidente do TJDF, que agora, sob o novo regime dos recursos repetidos do STJ, me disse que um desembargador determinado julgou três mil, quatro mil processos dessas matérias também iguais, salvo engano, de juros ou de poupança. E essa matéria foi decidida pelo STJ em sentido contrário à posição fixada pelo TJ/RS. Os recursos estavam lá sobrestados e eles tiveram de rejulgar. O que fez o desembargador nesse caso? Pediu para sair da câmara cível, onde estava, para a câmara criminal. Então eu dei isso como exemplo e disse assim: \"veja que às vezes o independentismo, então usei essa expressão, pode causar, na verdade, danos para todos – para o cliente do Judiciário, que está buscando uma proteção e que não sabe que as pessoas estão com posições filosóficas diferentes.

E aí eu disse: em geral, no próprio STF, temos posições divergentes eu mesmo as tenho. Mas quando a posição se consolida no sentido contrário à minha ou a de qualquer colega, nós averbamos nossa posição, mas nos manifestamos em sentido contrário . É preciso fazer esse ajuste.

Não fiz críticas, pelo contrário. Os senhores sabem que eu sou um radical defensor da independência judicial. E me surpreende essa crítica vinda da AMB, porque o presidente Mozart [Mozart Valadares Pires] se fazia presente nessa palestra. Isso me parece absolutamente estranho.

Houve uma outra confusão – e isso não se tratou da palestra – quando eu discuti o tema da prisão provisória. Eu disse que, dados de levantamento empírico do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] há muitos presos provisórios sem sentença de primeiro grau ainda, e por tempo de dois, três, quatro anos. E nós estamos fazendo essa reverificação para saber se não há realmente um excesso e se não é preciso haver controle.

Aí sai a informação de que estaria havendo excessos de decreto de prisões provisórias. Pode até estar havendo, mas eu não falei sobre isso, eu estava falando sobre execução criminal em geral – que nos ocupa em mutirões do CNJ no Rio, no Maranhão, e vamos fazer no Piauí e no Pará. E estamos na verdade levando a idéia da informatização das varas de execução criminal para evitar essa situação vergonhosa para o Brasil, de pessoas que já cumpriram a pena e estão há quatro anos – verificamos isso no Maranhão – além do tempo previsto. Mas estamos também com pessoas, às vezes presas por questões de bagatelas, que estão presas há três ou quatro anos e estão sem sentença. E isso também é constrangedor.

Então nós estamos fazendo essa verificação. Pode ser que cheguemos à conclusão de que há excesso de decretos de prisão provisória, mas em geral não é esse o caso. É caso de prisão em flagrante que o juiz apenas confirma. Mas aí isso vai exigir de nós outra postura.

Não houve crítica [às outras instâncias]; eu fiz foi uma autocrítica geral dos nossos acertos e desacertos num diálogo aberto feito com os presidentes dos tribunais todos presentes. Portanto o que eu critiquei foi uma situação específica narrando que também o Judiciário pode dar ensejo a essa posição quando o sujeito eventualmente se arraiga a uma posição filosófica e, embora já saiba que o Supremo tem uma outra posição, que o STJ tem uma outra posição, mas ele disse assim: \"eu não me afasto da posição inicial que eu adotei\". Foi só isso que eu disse e citei um caso específico – que nem era de juiz de primeiro grau, era de tribunal. Portanto, aqui não há discrepância. Concordo, subscrevo e assino os abaixo-assinados da Ajufe, da AMB e de todas as associações internacionais a favor da independência do Judiciário. Eu já disse aos senhores que a independência judicial é mais importante que catálogo de direitos fundamentais.\"

Fonte: STF