Realizado com base em dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela que, entre os fatores responsáveis pela superlotação do sistema carcerário brasileiro, um dos mais graves é o número excessivo de presos provisórios, muitos dos quais detidos por pequenos delitos. Nos últimos 20 anos, a população carcerária aumentou 400%.
Apresentada durante um seminário do Ministério da Justiça sobre aplicação de penas e medidas alternativas, a pesquisa foi feita em Estados com as maiores taxas de homicídio por habitante, a partir de uma amostra de ações criminais encerradas em 2011. Na época, a população carcerária era de 514,7 mil pessoas, das quais 217,1 mil eram presos provisórios detidos em presídios e delegacias. O déficit do sistema prisional era de 244,5 mil vagas.
Segundo o levantamento, 60% dos inquéritos policiais concluídos naquele ano foram abertos a partir de flagrantes. E 65,5% das denúncias criminais recebidas pelos tribunais também tratavam de inquéritos abertos depois de flagrante - ou seja, sem investigações prévias. Em 87% dos casos, os réus já estavam presos. Já nos inquéritos abertos por portaria, o número de denúncias aceitas com os réus presos cai para 12,3%.
No caso das condenações, os porcentuais são parecidos. Dos réus que cumpriram prisão provisória, 63% foram condenados a penas privativas de liberdade. Os 37% restantes receberam penas restritivas de direitos e medidas alternativas ou, então, foram beneficiados pelo arquivamento do caso ou pela prescrição do delito.
Isso significa que quase 4 em 10 réus detidos provisoriamente não são condenados a penas de prisão, com evidente sobrecarga para o congestionado e degradado sistema prisional. Atualmente, segundo as estatísticas do Depen, estão nessa situação cerca de 240 mil pessoas dentre as 711,4 mil que integram a população carcerária. Em dezembro de 2013, o déficit do sistema prisional era de 206 mil vagas e o número de mandados de prisão não cumpridos superava 373 mil.
"Há um abuso da conversão da prisão em flagrante para prisão provisória, em casos que são de pouca gravidade, como pequenos furtos. Não faria diferença se essas pessoas estivessem soltas. A lei diz que a prisão preventiva deve ser exceção. No entanto, tem sido a regra", afirma Almir de Oliveira Júnior, da Diretoria de Estudos sobre Estado, Instituições e Democracia do Ipea. Ele também estima que cerca de 90 mil pessoas estejam presas provisoriamente sem motivos bem fundamentados por parte dos juízes das varas de execução penal.
"Algumas das justificativas usadas por juízes para decretar ou manter prisões provisórias, como a alegada necessidade de localizar o réu durante o processo, são frágeis. Eles estão aplicando a prisão preventiva em casos em que não haveria essa necessidade", diz a diretora de Políticas Penitenciárias do Depen, Valdirene Daufemback. "As pessoas são presas com base em flagrante e não a partir de uma investigação adequada. A rotina policial é prender quem ela considera suspeito. Não há dúvida de que o excesso de pessoas presas foi o que fortaleceu organizações criminosas", argumenta a coordenadora da equipe de justiça criminal do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, Raquel de Cruz Lima.
O levantamento do Ipea é fundamental para a compreensão dos gargalos do sistema prisional. Segundo o estudo, apesar de o déficit de vagas ser um problema importante, a polícia e a Justiça prendem mais do que deviam. Além disso, o alto número de presos provisórios que cometeram delitos de baixo poder ofensivo revela a ineficácia dos órgãos que prestam assistência jurídica a essas pessoas. "Falta defesa adequada. Em 60% dos casos em que houve sentença condenatória, não houve qualquer recurso", afirma Oliveira Júnior. E, por fim, fica evidente que, enquanto a Justiça não ampliar o uso de penas alternativas para os crimes de baixo poder ofensivo, o sistema prisional continuará congestionado, o que o torna uma escola do crime e quartel de facções criminosas.
Fonte: O Estado de S. Paulo