Doorgal Borges de Andrada

Há décadas o uso da informática vem revolucionando setores profissionais com enorme repercussão, sobretudo as áreas de trabalhos mecânicos e repetitivos ou baseados nas ciências exatas e até mesmo na medicina. Também o Judiciário passou dos trabalhos manuais para os mecânicos. Do mundo da eletricidade agora vive a “era da informática”. E com a futura implantação do processo eletrônico/virtual será basicamente a máquina computador que ficará com a responsabilidade pelos bancos de dados (hoje armazenados nos papéis) e também responsável pela transmissão célere das decisões (hoje via correio, fax, oficial de justiça, publicações, etc), quase que eliminando a circulação do papel.

Não se pode negar que processo judicial virtual combaterá a burocracia. Mas, a partir disso falarmos no fim da morosidade seria uma temeridade e exagero, pois o excesso de papel é apenas uma das causas da lentidão processual. A verdade é que o tempo de tramitação processual não vai ser muito alterado, pois na elaboração do processo (petições, perícias, recursos, etc.), por exemplo, o advogado necessitará de igual tempo para estudos e redação. O juiz continuará a presidir as audiências necessitando basicamente do mesmo tempo, e, ainda terá que examinar, analisar e julgar milhares de páginas dos processos virtuais disponíveis na internet, um por um. As partes e as testemunhas continuarão também com seus direitos e mesmos prazos atuais. Sem esquecer dos riscos de panes nos computadores, os hackers, vírus, etc.

Portanto, não será o fato de os profissionais de Direito passarem a ler os processos na tela do computador – ao invés de ler no velho processo de papel – que, a compreensão das petições e de todo o processo deixarão de continuar a ser uma atividade humana com velocidade limitada.

Vamos sim ver alterado o local das infindáveis páginas, pois elas passarão a ser lidas na tela do computador. No entanto, isso é insuficiente para o impacto de maior rapidez no julgamento, considerando-se a manutenção da atual tramitação processual: ritos, prazos, e as inúmeras petições que sempre necessitarão de análise caso a caso.

Com isso, soa-nos imprudente associar a imagem do processo virtual – sem papel – com a idéia da total celeridade. Principalmente porque o juiz, as partes, servidores e advogados vão exercitar suas mesmas faculdades intelectuais e raciocínio com todas naturais limitações humanas.

Somente o tempo solucionará tantas incertezas que o processo judicial virtual provocará. Exemplificando: hoje, o advogado quando despacha com um juiz, via de regra, leva nas mãos os autos na página do assunto que quer analisar. Porém, com o processo virtual (não existindo o processo físico), não existirá autos e terá que esperar no gabinete, o juiz fechar a página do computador, suspender o trabalho, aguardar a localização daquele outro processo e a página a ser analisada. Os advogados também não poderão ter os autos em mãos para mostrar às partes. Além disso, para ingressar na seara jurídica todos terão que dominar o manejo da informática, muito embora, no momento, apenas 26% da população brasileira tenha acesso pessoal ao computador (contra 86% dos países ricos e desenvolvidos).

Há quem diga que iremos aumentar a exclusão profissional e social quando se exigir para a advocacia além do conhecimento jurídico também o conhecimento da informática nas comarcas situadas em regiões menos desenvolvidas e mais carentes do país, dominadas pela pobreza.

Poderemos ver prejudicadas a efetivação dos direitos fazendo ainda mais elitista a Justiça, acessível aos profissionais ricos ou de localidades mais desenvolvidas e melhor equipadas, ao contrário das pequenas e simples comarcas sofridas, seja no Amazonas, norte de Minas, interior do Piauí, etc.

Enfim, percebemos que o processo virtual/eletrônico com todos os seus benefícios e virtudes, por si só, jamais será grande antítese para a lentidão judicial. A lentidão tem muitas causas. Se, de um lado a morosidade é forte conseqüência da nossa lei processual, do constante aumento do número de processos, insuficiente número de servidores, assessores, juízes, e do emaranhado de normas e do excesso de leis, de outro lado, os milhares de processos – sejam autuados fisicamente ou futuros “processos virtuais” –, vão continuar dependendo do insubstituível trabalho intelectual e da sensibilidade humana.

Isso porque mesmo na “era da informática”, continua pertencendo somente ao ser humano (não à máquina) a capacidade de compreender, peticionar, sentir, estudar, pensar, interpretar. Tudo isso imprescindível ao grandioso e nobre ato humano de julgar. Sabemos que a informatização do serviço público é um imperativo. E, mesmo que ela não seja a solução para todos males, se constituirá num bom avanço para poder público. Mas num país tão carente e desigual nem todos poderão comemorar pois as prioridades continuam sendo outras.


Sobre o autor: Doorgal Borges de Andrada: é juiz titular da 2ª Vara de Feitos Tributários (BH/MG) vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)

Fonte: Revista Consultor Jurídico