Dezenas de crianças e adolescentes, em uma quadra, dançam ao som de um samba. Há uma harmonia de movimentos, os meninos e as meninas executam os passos no mesmo ritmo, enquanto se aquecem e treinam movimentos. A técnica se chama bamon, e é utilizada nos treinos de um esporte pouco conhecido no Brasil, o badminton. Quem as vê, não consegue imaginar que, em meio ao grupo, sem perder os compassos, dançam dois jovens surdos: Bruno Costa e Thuan Bernard.
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Bruno e Thuan, amigos desde a infância, conheceram o esporte por meio de um projeto social realizado por voluntários da Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente da Comarca de Santos Dumont (Criap), instituição fundada em 2008 pelo então juiz da Vara da Infância e da Juventude, Jander Maurício Brum. A entidade foi criada com o objetivo de oferecer às crianças e aos adolescentes da comarca a oportunidade de se desenvolverem de forma digna, por meio do esporte, reforçando valores éticos e morais nos meninos e nas meninas.
Com a aposentadoria do idealizador da iniciativa, a atual juíza da infância e da juventude da Comarca de Santos Dumont, Maria Cristina de Souza Trúlio, deu sequência ao projeto e abraçou a iniciativa, financiada por penas pecuniárias. O projeto atende hoje, em média, a 250 crianças e adolescentes na comarca, que, além de Santos Dumont, é integrada pelos municípios de Aracitaba, Ewbank da Câmara, Oliveira Fortes e Paiva, além dos distritos de Conceição do Formoso, Dores do Paraibuna, Mantiqueira e São João da Serra. As atividades acontecem no espaço físico do 4º Esquadrão de Cavalaria Mecanizada, por meio de parceria firmada com a instituição.
O badminton descortinou para os dois jovens surdos um novo mundo de possibilidades. Há um ano e meio, Thuan, de 19 anos, começou a praticar o esporte; Bruno, de 17 anos, juntou-se ao grupo seis meses depois. Hoje, os dois meninos colecionam medalhas locais e regionais, novos amigos, não apenas entre a comunidade surda, e a sensação de que a surdez não precisa limitar suas possibilidades. “Por meio do badminton, fiz novos amigos que me ajudaram muito a superar obstáculos. Em campeonato recente em Juiz de Fora, fiquei em terceiro lugar”, comemora Thuan. Bruno completa: “O esporte me proporcionou a convivência com ouvintes, sem que a surdez seja um empecilho”.
As mudanças são sentidas também pelos familiares dos meninos. “O esporte foi muito bom na vida do meu filho. Antes ele vivia apenas fechado no mundo dele, mais dentro do quarto e convivendo apenas com colegas surdos. Agora, ele tem amigos que são ouvintes e não está mais só dentro de casa; assumiu novos compromissos e responsabilidades, quer ir adiante. Isso abriu as fronteiras dele, contribuiu para ele perceber que pode ter uma vida normal, como qualquer outro jovem, apesar da surdez. Não há mais limites pra ele”, atesta Valesca de Araújo, mãe Thuan.
Concentração e disciplina
Na avaliação do treinador dos meninos, Walter Gonçalves de Moraes, que é oficial de justiça na comarca, “a experiência com os dois jovens com deficiência auditiva mostram a importância do esporte como fator de primordial importância para a inclusão de jovens em adultos com deficiência”. Walter Moraes explica que o projeto social escolheu o badminton como modalidade esportiva para trabalhar com as crianças porque ele requer muita concentração e disciplina. Além disso, por ser um esporte pouco conhecido, gera curiosidade nos meninos e meninas, sendo um fator de atração.
Desafiador para os dois meninos, o badminton é considerado o esporte de raquete mais rápido do mundo, por isso requer muita concentração e velocidade. É semelhante ao tênis, sendo praticado com raquete e peteca. Formando uma dupla de badminton, os meninos contam, para treinar, com a ajuda de uma intérprete de libras. Mas, a cada dia, a comunicação entre eles e o treinador se torna mais fluida.
Os planos para a dupla são ambiciosos. O treinador disse que pretende credenciá-los na Federação Mineira Esportiva dos Surdos, em 2016, para que possam participar de competições estaduais e nacionais. Em 2017, acontece o campeonato mundial de badminton, na Turquia, e o desejo é que Bruno e Thuan estejam lá, lutando por uma medalha. “Ainda é um sonho, mas vamos tentar. Superação, essa é a palavra”, declara o treinador.
Para quem não conhece as regras do jogo, o objetivo do competidor é fazer a peteca tocar na quadra adversária. Aquele que deixar a peteca cair dentro do seu lado da quadra ou rebater a peteca para fora, perde a jogada. Mas esses jovens não estão dispostos a deixar a peteca cair.
Fonte: TJMG