O anteprojeto que pretende mudar o Código de Processo Penal, instituído por decreto em 1941 pelo então presidente Getúlio Vargas, deve começar a tramitar no Senado nesta semana. A presidência da casa vai instalar comissão especial para analisar o texto produzido por nove juristas em dez meses de trabalho. O novo Código de Processo Penal Penal pretende desburocratizar os inquéritos e racionalizar o funcionamento da Justiça criminal.

O novo texto tem seis livros e 133 páginas. A comissão de juristas foi presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Hamilton Carvalhido, que classifica o novo CPP como “uma convergência quase absoluta”. “Sobram razões históricas, teóricas e práticas. O Código de Processo Penal em vigor encontra-se definitivamente superado”, afirma Carvalhido na justificativa enviada ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Junto com Carvalhido, assina o texto o procurador da República Eugênio Pacelli de Oliveira, relator do anteprojeto. A proposta ainda deve sofrer alterações, ao sabor dos palpites e ideologias dos deputados e senadores. De todo modo, o objetivo é tornar o novo Código consoante com os princípios da Constituição de 1988 e tornar a Justiça mais eficaz. Para isso, o anteprojeto propõe novas figuras jurídicas, mecanismos alternativos e proporciona mais controle ao andamento processual.

Na cerimônia de entrega do anteprojeto à presidência do Senado, José Sarney (PMDB-AP) desconversou sobre a possibilidade de o projeto ser aprovado em breve. Assim respondeu Sarney quando perguntado se o projeto será aprovado ainda este ano: “Um código é sempre uma matéria muito difícil. Tanto que aqui, às vezes, temos códigos que têm levado mais de 10 anos. Mas vamos fazer tudo para que a gente possa aprovar o mais rapidamente possível”.

Vale lembrar que 2010 é ano de eleição, e projetos polêmicos como o novo Código de Processo Penal tendem a ter tramitação atípica, conforme o interesse e disponibilidade dos senadores. Ou seja, em ano eleitoral, há senadores que podem estacionar projetos simplesmente por estarem com a cabeça nas eleições. Assim como mudanças no Processo Penal podem servir de bandeira para políticos da área da segurança. A comissão de juristas foi criada após requerimento do senador Renato Casagrande (PSB-ES). Otimista, Casagrande espera que a comissão especial do Senado aprove o projeto em três meses.

Garantias
Uma das novidades é a criação do “juiz das garantias”. O novo operador do Direito será o responsável pelo exercício das funções jurisdicionais referentes à tutela imediata e direta das inviolabilidades pessoais. Ou seja, esse novo juiz deverá garantir a proteção da intimidade e privacidade dos investigados, além de toda a legalidade do inquérito. Ao juiz de Direito restará o princípio da inércia e o julgamento dos processos.

Caberá ao juiz das garantias decidir sobre os pedidos de interceptação telefônica, quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico, além de busca e apreensão domiciliar. Esse juiz cuidará também das prisões provisórias e outras medidas cautelares.

Ainda no âmbito da persecução penal na fase de investigação preliminar, o anteprojeto traz alteração em relação à tramitação do inquérito policial. “A regra do atual Código não guarda pertinência com um modelo de perfil acusatório, como se deduz dos direitos fundamentais previstos na Constituição. A investigação não serve e não se dirige ao Judiciário. Ao contrário, destina-se a fornecer elementos de convencimento ao órgão da acusação”, escreve Carvalhido.

Além disso, o anteprojeto retira o controle judicial do arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação. O controle passa a ser feito no âmbito exclusivo do Ministério Público, atribuindo-se à vítima legitimidade para o questionamento acerca do arquivamento.

Agilidade
A proposta prevê a desburocratização por meio da aproximação entre Ministério Público e Polícia Judiciária. Pelo texto, passaria a ser direto o diálogo entre procuradores, promotores e a Polícia, o que hoje ocorre por meio do juiz. O anteprojeto prevê também apenas um recurso para cada instância do Judiciário.

O anteprojeto pretende desafogar as lotadas penitenciárias brasileiras. Para isso, o texto regulamenta as prisões preventivas e temporárias e aumenta o leque de medidas cautelares. Não são raros os casos de presos, ainda sem condenação, que passam anos na cadeia em razão da paralisia do Estado em manejar as prisões preventivas.

A expectativa é que, entre prender e soltar, o juiz possa ter soluções intermediárias. “O anteprojeto difere radicalmente do texto em vigor, que se apoia, de modo quase exclusivo, no instituto da prisão preventiva”, argumenta o presidente da comissão de juristas, Hamilton Carvalhido. “Não se tem notícia ou comprovação de eventuais benefícios que o excessivo apego ao cárcere tenha trazido à sociedade brasileira.”

O anteprojeto determina cinco tópicos: a prisão em flagrante perde seus efeitos se não for convertida em prisão preventiva; o juiz, ao aplicar uma medida cautelar, deve seguir um roteiro de fundamentação; declara-se a ilegitimidade do uso da prisão provisória como forma de antecipação da pena; supera-se o dogma da execução provisória da sentença; exige-se, no caso de concurso de pessoas ou crimes plurissubjetivos, que a fundamentação seja específica e individualizada. “Esse conjunto de medidas não é desconhecido da jurisprudência nacional. Deu-lhe o anteprojeto apenas consistência sistemática”, afirma o ministro do STJ.

Entre as alterações propostas no anteprojeto, destaca-se a que eleva de sete para oito membros a composição do Tribunal do Júri. A mudança evita a condenação ou absolvição de um réu pela diferença de apenas um voto. Em caso de empate em quatro a quatro, o réu será absolvido.

Vácuo
O anteprojeto é uma resposta do Legislativo ao vácuo jurídico e a inércia dos parlamentares, situação que resulta em freqüentes choques com o Judiciário. O caso mais típico é o uso de algemas, questão que teve de ser regulamentada por Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal.

O texto de Carvalhido e do procurador da República Eugênio Pacelli de Oliveira classifica a algema como “medida excepcional, restrita a situações de resistência à prisão, fundado receio de fuga ou para preservar a integridade física do executor, do preso ou de terceiros”. Veda, ainda, o emprego de algemas como forma de castigo ou quando o acusado se apresentar, espontaneamente, à autoridade policial.

Além disso, o juiz criminal terá mais espaço para decidir por punições alternativas, como o uso do instituto do dano moral. “A sentença penal condenatória poderá arbitrar indenização pelo dano moral causado pela infração penal, sem prejuízo da ação civil, contra o acusado e o eventual responsável civil, pelos danos materiais existentes. A opção pelos danos morais se apresentou como a mais adequada, para o fim de se preservar a celeridade da instrução criminal, impedindo o emperramento do processo”, afirma o texto.

Composição
Além de Carvalhido de Eugênio Pacelli de Oliveira, participaram da comissão de juristas o juiz federal Antonio Corrêa, o professor da Universidade de São Paulo Antônio Magalhães Gomes Filho, o ex-secretário de Justiça do Amazonas Félix Valois Coelho Júnior, o professor da Universidade Federal do Paraná Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Sandro Torres Avelar, o promotor de Justiça Tito de Souza Amaral e o consultor do Senado Fabiano Silveira.

Fonte: Consultor Jurídico.