Este tempo de Copa do Mundo é um raro instante em que o povo brasileiro faz aflorar seu tímido sentimento de brasilidade. O entusiasmo coletivo pela seleção canarinho em busca do hexacampeonato leva à criatividade do uso das cores verde e amarela e da reverência à Bandeira Nacional. Afinal, o futebol é a paixão nacional. Se o clima é de oba-oba, patriotada ou legítimo patriotismo, é necessário atentar para as regras legais. Aqui, vale lembrar que ninguém se escusa do cumprimento de uma lei sob o pretexto de ignorá-la.

A Constituição prevê como símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, hino, armas (brasão da República) e selo nacionais (artigo 13, § 2º). A Lei 5.700, de 1º de setembro de 1971, de caráter administrativo, penal e processual, com 45 artigos, disciplina as formas, uso, apresentação e devido respeito aos símbolos nacionais.

A Lei 5.700/1971, elaborada durante o governo militar, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 e já conta com 39 anos de vigência, tendo sofrido quatro alterações de média significância (em 1972, 1981, 1992 e 2009). Existem cerca de 70 projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional visando alterar (suprimir, modificar e adicionar) a lei, que é tachada de repressiva e anacrônica por não refletir a realidade social vigente. Há entendimento no sentido de que alguns dispositivos da lei são inconstitucionais por afrontar direito de liberdade de expressão e pensamento (artigo 220 da CF).

Mas, o certo é que a Lei 5.700/1971, de conteúdo preceptivo e força cogente, não perdeu sua eficácia formal e está em vigor, devendo ser acatada por todos para a boa ordem das relações sociais (princípio da segurança jurídica ).

É passível de sanção de natureza penal quem usa de forma incorreta e desrespeitosa a bandeira e o hino nacionais, que, como bens de uso público comum e irrestrito (artigo 99, I do Código Civil) e por representar a pátria na exaltação dos valores morais (tradições, glórias, histórias); são justamente tutelados para que não se descaracterizem ou sofram banalização em seus tratos.

Portanto, é considerado manifestação de desrespeito o que possa provocar impressão desfavorável ou reveladora de desapreço à bandeira e ao hino. É proibido:

1. fazer arranjos musicais e vocais com o hino;

2. ouvir ou cantar o hino sem estar na posição respeitosa: o civil de pé, braços distendidos e a cabeça descoberta; nada de mão sobre o coração; o militar, de pé, fazendo continência;

3. fabricar a bandeira sem ter data, nome e endereço do fabricante;

4. mudar a forma, proporções, o inscrito ou acrescentar outras inscrições à bandeira (reestilizar);

5. apresentar a bandeira em mau estado de conservação (rasgada, puída, desbotada), eis que deverá ser entregue a qualquer unidade militar para ser incinerada em 19 de novembro;

6. usar a bandeira como roupa, como pano de mesa, como capa, como cortina;

7. encobrir placas, retratos e painéis a inaugurar com a bandeira;

8. reproduzir a bandeira em rótulos e invólucros de produtos expostos à venda.

Ademais, a bandeira deve ser sempre hasteada em datas nacionais e figurar em posição de realce quando hasteada juntamente com outras bandeiras (à direita, tratando-se de números pares; ou ao centro, tratando-se de números impares). A bandeira, se permanecer hasteada durante a noite, deve estar iluminada, e quando não estiver em uso, deverá ser guardada em lugar digno.

Tais prescrições e proibições estão dispostas em vários artigos e incisos da lei. A violação de qualquer proibição é considerada contravenção penal, sujeitando-se o infrator à pena de multa de uma a quatro vezes o maior valor referência (atualizado de acordo com os novos índices) e elevada em dobro nos casos de reincidência (artigo 35). Trata-se de uma norma penal incompleta, da espécie tipo penal em branco, que depende de um complemento normativo para a exata compreensão da contravenção.

O processo é de competência do Juizado Especial Criminal e as autoridades públicas têm o dever de agir diante da ocorrência fática. Isso quer dizer que o policial militar deve registrar a ocorrência, o delegado de polícia deve lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO), o promotor de Justiça deve optar pelo arquivamento, despenalização (transação penal) ou denúncia, cabendo ao juiz competente a decisão final.

Teses defensivas podem ser articuladas sustentando, entre outras, o princípio da adequação social ou erro sobre a ilicitude do fato (má interpretação da norma), buscando a isenção de pena e cabendo ao juiz competente examinar cada caso concreto.

Mas são por demais raros, processos contravencionais relativos ao desrespeito aos símbolos nacionais, mesmo porque impera uma desinformação generalizada jungida a uma tolerância cultural das autoridades competentes.

Se lamentavelmente uma grande parcela da população brasileira ignora a conduta correta no trato dos símbolos oficiais do país, isso mais se deve à falta de ação governamental voltada para a difusão e valorização de tais símbolos evocativos da pátria. Mas o mais importante é a educação cívica da criança e do adolescente, inexplicavelmente abolida, que deveria ter início no ensino infantil, reforçar no ensino fundamental e se aperfeiçoar no ensino médio.


Marcos Henrique Caldeira Brant é juiz de direito da 11ª Vara Criminal em Belo Horizonte.

Este artigo foi publicado no caderno Direito e Justiça, do jornal Estado de Minas, edição do dia 21 de junho de 2010.