De tempos em tempos surgem tentativas de desmoralizar o Judiciário e de transformar a magistratura em bode expiatório de crises, como a atual, agravada por problemas de gestão e de malfeitos, além de buscar enfraquecer as instituições responsáveis pelo histórico combate à corrupção. Por essa razão, não podemos aceitar nem permitir, por exemplo, a aprovação de projetos que visam, exclusivamente, afetar a classe, subtraindo direitos e criminalizando a ação judicante. É nosso compromisso buscar avanços, como também evitar retrocessos constitucionais e institucionais.

Ainda assim, setores do Congresso Nacional pretendem criminalizar a ação judicante (abuso de autoridade) e realizar pesquisa em torno dos chamados supersalários no país. O Judiciário tem total interesse em corrigir distorções que, eventualmente, sejam identificadas, mas nenhuma dessas iniciativas pode ser realizada como instrumento para pressionar ou constranger juízes e membros do Ministério Público.

O projeto que tramita no Senado sobre abuso de autoridade é um ensaio para intimidação e amordaçamento, afetando diretamente a independência judicial e travando as atividades da polícia e do Ministério Público. Se virar lei, inviabilizaria investigações como as operações Lava-Jato, Zelotes e Pandora, entre outras.

Além disso, a proposta ofende a Constituição Federal, a Lei Orgânica da Magistratura e a do Ministério Público, que garantem prerrogativas invioláveis, e agride a interdependência dos poderes da República e o Estado democrático de direito.

Sobre os vencimentos e vantagens, os magistrados não recebem ganhos acima do teto constitucional, como vem sendo alardeado. Não há registros dessa natureza na realidade das carreiras jurídicas e acúmulos ilegítimos de aposentadorias. Ao contrário. Desde a instituição do sistema de subsídios, em 2005, o dispositivo constitucional que garante correções anuais, para manter o poder de compra dos vencimentos dos magistrados, foi seguidamente descumprido em pelo menos cinco anos, causando perdas de mais de 40%.

Antes desse sistema, os consecutivos desrespeitos aos vencimentos geraram diferenças e atrasos já reconhecidos por decisão transitada em julgado (URV e equivalência, entre outros), que, quando pagos, sempre de maneira parcelada, acarretam críticas e desconfianças em mais uma manifestação que ignora direitos.

Há muito defendemos a instituição de um projeto de remuneração estável, transparente, equilibrado, com reconhecimento à dedicação à carreira e capaz de assegurar anual recomposição dos subsídios, sempre nos termos da Constituição Federal e das leis.

Diferentemente dos outros poderes, o Judiciário é o único que conta com um órgão de controle interno, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem por missão aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito à transparência administrativa e processual.

O CNJ é o órgão mais isento e adequado para conter os casos destoantes no âmbito do Poder Judiciário, sendo relevante também que o Legislativo e o Executivo se voltem para os que lhes dizem respeito. Não receamos nenhuma discussão sobre salários e muito menos debates éticos, esperando que o Congresso não desvirtue seus trabalhos. Do contrário, a iniciativa representaria tão somente o desrespeito à autonomia e independência do Judiciário e do Executivo.

Também tentaram em vão desqualificar a produtividade dos juízes brasileiros perante a de outros países. Novamente, o Relatório Justiça em Números (2016), do CNJ, confirma que o magistrado brasileiro é o que mais julga no mundo. No ano passado, foram 1.757 processos julgados por juiz. Os italianos julgam, em média, mil por ano; os espanhóis, 700, e os portugueses, 400.

Ser magistrado é viver em meio a condições adversas, tanto com relação à intensa e itinerante ação judicante e seus riscos quanto à compreensão da importância social da classe e de seus direitos. Respeitamos posicionamentos contrários, mas criminalizar a ação judicial e investigar seus salários, entre outras iniciativas, são tentativas explícitas e vãs de constranger ou retaliar juízes e membros do Ministério Público, especialmente no momento em que protagonizam histórico combate à corrupção.


Desembargador Maurício Soares
Presidente da Amagis

Artigo publicado no jornal Estado de Minas no dia 9 de janeiro de 2016