Dizendo “Ubuntu”, tradicional conceito africano que significa “uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”, a socióloga Ayrde da Luz Siqueira Alves, diretora da Brisa Consultoria, saudou os 12 recuperandos da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Santa Luzia que se formaram na quarta série do ensino fundamental, no último dia 29 de fevereiro. A socióloga fez menção a esse vocábulo, já que em 2003 ela capacitou educadores de Angola, que ressaltavam a importância dessa expressão no contexto cultural da África.

A Brisa é parceira da Apac de Santa Luzia. A associação visa devolver ao preso sua dignidade e promover sua ressocialização, por meio de oficinas, palestras e de uma metodologia específica, conhecida como o Método Apac.

“Esse provérbio se encaixa perfeitamente neste momento, já que, para a realização do curso básico, recuperandos ajudaram outros recuperandos”, frisou Ayrde Siqueira. As aulas foram ministradas por três professores alfabetizadores que são recuperandos da Apac local e possuem maior nível de escolaridade. Esses recuperandos educadores foram capacitados através do método de leitura e escrita “Aprendizagem e Promoção Humana”, desenvolvido pela Brisa Consultoria. Durante todo o período de curso, duas vezes por semana, uma professora da Brisa se deslocava até a Apac para acompanhar o desenvolvimento das aulas. Ao final, a Escola Estadual Professor Leon Renault aplicou a prova para avaliar os conhecimentos gerais e aprovou 12 alunos.

Gratificação

O recuperando educador João Paulo de Carvalho Silva sentiu-se gratificado por ajudar os colegas na sua formação educacional. “O método aplicado pela Brisa não é vazio, é adaptado à realidade vivida por pessoas privadas de liberdade”, explicou. Entusiasmado por sua aprovação no curso de pedagogia da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (Facisa-BH), que começou a frequentar sob autorização judicial, João Paulo e dois colegas estão formando mais uma turma de recuperandos no ensino básico, com previsão de conclusão para junho deste ano.

Marco Júnior falou em nome dos alunos formandos e agradeceu aos recuperandos educadores cada momento compartilhado com eles nas descobertas do processo de aprendizagem.

Ao final, João Paulo, que também atuou como mestre de cerimônias da formatura, fez o seguinte agradecimento ao coordenador do Programa Novos Rumos, desembargador Joaquim Alves de Andrade: “o senhor idealizou esse trabalho junto com a Brisa e o fez com o coração e com a confiança no ser humano. A certeza de que podíamos contar com o senhor fez o nosso time funcionar. A cada dia este time vai engrossando suas fileiras. Seu sonho foi contagiando um grande batalhão. Estamos juntos, obrigado por tudo”.
Presenças

Estavam presentes também à solenidade de formatura o desembargador Jarbas Ladeira e o juiz Luiz Carlos Rezende e Santos, coordenadores do Programa Novos Rumos, além da diretora da Escola Estadual Professor Leon Renault, Antônia Mary Martins dos Santos.
O magistrado Luiz Carlos chamou os formandos de “meus colegas de diploma da Escola Leon Renault” por, coincidentemente, ter se formado na escola e por sua mãe ter exercido o magistério na mesma instituição.

Continuidade

Esses formandos darão continuidade aos estudos, agora para concluir o ensino fundamental no programa de educação de jovens e adultos (EJA). O EJA em Santa Luzia é ministrado pelo Sesiminas, por meio do Projeto Recuperando, do Instituto Minas pela Paz (IMPP), outro grande parceiro das unidades apaquianas. No último dia 26 de janeiro, dez recuperandos foram diplomados na nona série.

Durante a solenidade de formatura, o diretor executivo do IMPP, Maurílio Pedrosa, lembrou que o TJMG abriu as portas da Apac de Santa Luzia, possibilitando o desenvolvimento de projetos educacionais na entidade.

A professora do Sesiminas Romilda Assunção, que acompanhou a primeira turma do EJA fundamental, frisou que nos seus 18 anos de magistério nunca tinha passado por uma experiência tão fantástica. “Lá fora, os alunos não valorizam tanto os ensinamentos quanto os que estão aqui dentro, os recuperandos demonstraram muito mais carinho e respeito pelo professor”, completou.

Para a mulher de um formando, Erica Araújo dos Santos, a Apac tem provocado uma mudança de vida em seu marido. “Sinto-me orgulhosa por ele ser um dos formandos da primeira turma do EJA fundamental da Apac de Santa Luzia”, ressaltou.

Minas pela paz

O Instituto Minas pela Paz (IMPP) é uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) criada a partir da iniciativa da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e das maiores empresas do Estado, com o objetivo de contribuir com o governo para combater a violência e reduzir a criminalidade em Minas Gerais. Uma de suas iniciativas é o Projeto Recuperando, que tem o objetivo de oferecer formação educacional, por meio do Sesiminas, e capacitação profissional, através do Senai, aos recuperandos das Apacs de Sete Lagoas, Governador Valadares, Itaúna, Ituiutaba, Lagoa da Prata, Nova Lima, Pouso Alegre, São João del-Rei e Santa Luzia.
Durante o período de 2009 a 2011, nessas nove Apacs, foram certificados 798 recuperandos que concluíram o ensino fundamental pelo Sesi e 549 que participaram de cursos de capacitação profissional do Senai.

Fonte: TJMG