Juiz Aquiles da Mota Jardim Neto
Nós, juízes e julgadores em geral, precisamos dar nossa contribuição para melhorar o funcionamento da Justiça, com o fito de oferecer aos cidadãos uma prestação jurisdicional mais rápida, eficaz, firme, segura e de melhor qualidade.
Os processos aumentam numa proporção geométrica, mas a estrutura do Judiciário permanece a mesma. A legislação, por sua vez, é imperfeita, mormente no campo processual, tornando o processo demorado e oneroso, possibilitando excessivos recursos, impugnações, embargos, incidentes, agravos. O ideal seria a simplificação dos ritos e das formas, tornando o itinerário do processo mais breve, simples e racional.
Com razão, reclamamos dos legisladores e da falta de orçamento. Precisamos, sim, de melhores leis, de mais juízes, mais varas, mais funcionários, melhores instalações etc. Mas, frise-se, precisamos dar nossa contribuição, com as ferramentas que temos, para melhorar o funcionamento da Justiça.
Os cidadãos se espantam com a diversidade e a disparidade de julgamentos, o que causa evidente insegurança jurídica. Com tantas diferenças de visão nos julgamentos, a sociedade fica insatisfeita e aflita. Para exemplificar, recentemente os jornais publicaram sobre decisões relativas à divulgação do salário de servidores da Prefeitura de São Paulo, tendo havido uma primeira decisão autorizando, uma segunda cancelando a primeira e outra permitindo a divulgação, mas que foi logo depois novamente impedida.
Igualmente com relação à guarda do menino filho biológico de um americano, que primeiro foi concedida, depois retirada, logo depois só concedida enquanto o pai estivesse no Brasil e logo depois também essa foi suprimida. Há muitos outros exemplos. Vemos todos os dias decisões de juízes de primeiro grau sendo modificadas e cassadas em segundo grau, bem como decisões de segundo grau sendo modificadas e cassadas em grau superior. Diante disso, precisamos reconhecer que o vaivém de decisões solapa, sim, a credibilidade do Judiciário, e mais: estimula muito a série de recursos.
Com isso, nunca se sabe se uma decisão prolatada e divulgada vai resolver definitivamente o litígio ou se é apenas mais um episódio num longo itinerário que se perde pelos anos. Concretamente, o fato de cada JUIZ ou tribunal que decide o caso dar um tratamento diferente, desautorizando decisões anteriores, torna o Judiciário um campo fértil para questionamentos, inclusive na imprensa. No episódio da prisão de Daniel Dantas também vimos como houve várias decisões contraditórias, como em tantos outros casos que já criaram o anedotário segundo o qual, no Brasil, um prende e o outro solta e, no final, ninguém fica preso, isso para se referir à imprevisibilidade da cabeça do JUIZ.
Frise-se que temos a responsabilidade de dar mais firmeza e segurança ao mundo da Justiça. Por isso, sugiro que as decisões de mérito ou liminares só sejam modificadas em grau de recurso quando não puderem mesmo ser aproveitadas. Afinal, os livros da área jurídica estão recheados de posicionamentos díspares e controversos, havendo farta jurisprudência divergindo e contradizendo outra, visões diferentes em varas, câmaras e tribunais, e não é possível dizer que uns estão certos e outros errados. O que existem são posições diferenciadas por conta da adoção de linhas de entendimento, doutrina e interpretação. Por conta disso, se as decisões não podem ser tachadas de erradas, então podem ser aproveitadas, mesmo que o julgador superior delas divirja. É preciso um esforço para aproveitar as decisões. Que elas só sejam modificadas diante de erros visíveis e grosseiros e esses não são frequentes.
Também devemos ser mais rigorosos com os exagerados pedidos de liminares, tutelas antecipadas, danos morais, justiça gratuita, embargos declaratórios etc. Poderíamos, igualmente nesse campo, dar contribuição fundamental para refrear a febre demandista e a alta carga de litigiosidade espelhada no aumento gigantesco de ações e recursos.
Além das campanhas de formas alternativas de solução dos litígios, como a arbitragem, a mediação e a conciliação, se houvesse mais firmeza e convergência nas decisões de juízes e tribunais os advogados e a sociedade em geral se sentiriam menos estimulados aos recursos e haveria mais respeito ao Judiciário. Na realidade, o Judiciário é usado às vezes para fins pouco nobres.
Mas o próprio Judiciário pode contribuir para reverter essa situação ao procurar não reformar decisões que, como disse, não estão erradas, mas sim ancoradas em posição doutrinária, filosófica ou ideológica diferente da do julgador do órgão hierarquicamente superior, uma vez que o direito pátrio comporta muitas linhas de interpretação. O Judiciário deve buscar essa coerência, para o bem da sociedade, e em defesa da credibilidade do próprio Poder Judiciário.
O juiz Aquiles da Mota Jardim Neto atua na 17ª Vara Cível do Fórum Lafayette/Belo Horizonte .
Este artigo foi publicado no caderno Direito e Justiça, do jornal Estado de Minas, edição desta segunda-feira, 19/04/2010.