"Cadeia, 19/05/14". É assim que Roberto Jefferson começa uma carta à Folha, escrita à mão, do Instituto Penal Coronel PM Francisco Spargoli Rocha, em Niterói (RJ).
Condenado a sete anos e 14 dias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo do mensalão, o petebista completou três meses de prisão neste sábado (24).
A pedido da reportagem, ele descreveu pela primeira vez como se sente atrás das grades. Na carta, Jefferson, que em 2005 revelou o mensalão em entrevista à Folha, fala da saúde, da conjuntura política na América Latina, dos novos escândalos no Brasil e da rotina na prisão.
Ao citar o desafeto José Dirceu, uma surpresa: "Sobre o Dirceu, penso que o JB está exagerando e vitimizando a turma do PT".
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, o JB'' a que Jefferson se refere, negou no começo do mês o pedido do petista para trabalhar fora da cadeia durante o dia.
Dirceu está preso desde novembro no complexo da Papuda, em Brasília, acusado de comandar o mensalão, escândalo definido pelo STF como um esquema de compra de apoio político no Congresso no primeiro mandato do ex-presidente Lula.
"Você sabe que eu não gosto do José Dirceu, mas a coisa está demais", afirmou.
DUELO
Depois, o presidente do STF revogaria o direito de sair da prisão para o trabalho de outros condenados no escândalo sob o argumento de que eles ainda não completaram um sexto da pena, requisito da Lei de Execuções Penais para o benefício.
Desde que o escândalo do mensalão veio à tona, Jefferson patrocinou publicamente uma espécie de duelo com Dirceu --então ministro da Casa Civil e um dos principais auxiliares de Lula--, a quem sempre acusou de ter comandado o esquema do mensalão.
Agora, faz coro com o petista em relação à negativa de Barbosa ao trabalho externo.
"Ele [Barbosa] monocraticamente revogou uma jurisprudência consagrada em todas as comarcas e tribunais do Brasil. Até no STJ [Superior Tribunal de Justiça] os condenados no semiaberto trabalham desde o primeiro dia da execução da sentença. Nitidamente o JB tem diferenças pessoais com a Turma do PT."
Jefferson diz estar sendo bem tratado na prisão.
"A diretora é uma mulher muito sensível e atenciosa. Tenho mantido minha dieta, estou em cela individual por recomendação médica, dada a minha condição mais delicada de saúde", escreve ele na carta.
O petebista precisa de alimentos especiais, sem gordura, por causa das cirurgias a que foi submetido para o tratamento de um câncer, que acabaram reduzindo seu aparelho digestivo.
A defesa de Jefferson agora espera que o STF vote seu pedido para cumprir a pena em casa, por motivos de saúde, pleito feito desde a sua condenação.
Sobre sua rotina na cadeia, diz ler todos os dias a Folha e os jornais "Valor Econômico", "O Globo" e "O Estado de S. Paulo".
E fala sobre Pasadena, Lava Jato e CPIs, temas que mais têm movimentado o mundo político recentemente.
"A temperatura subiu. Para mim, o pior poderá vir pelo TCU [Tribunal de Contas da União], se convocarem a Dilma para depor, numa franca contestação à sua qualidade gerencial. Esse caminho técnico e jurídico é muito mais poderoso que o político. Esse caminho sim poderá resultar em danos graves à imagem do governo", discorre.
FUTURO
Na carta, Jefferson ainda faz considerações sobre o "desgaste das esquerdas na América Latina".
"Argentina, Venezuela, Brasil, a coisa começa a decantar. Nada como a democracia e liberdade da imprensa, as coisas ficam mais nítidas aos olhos do povo", afirma o petebista.
"Na Venezuela, o movimento liberal, de resistência à brutalidade da esquerda bolivariana, nasce com os estudantes. Existe um espaço de cinquenta anos entre os meninos de hoje e aqueles da luta contra os militares, que golpearam a liberdade".
O texto do petebista também alude ao futuro.
"Tudo passa. Tudo tem seu tempo. Nada e ninguém é para sempre".
E termina citando a família: "Sobre minha Ana Lúcia (sua mulher), digo que Deus reserva a poucos uma companheira como ela".