Uma análise comparada de museus dedicados a estudar o direito das pessoas na Ásia, na América do Sul e na América do Norte. Esse foi o objetivo da pesquisa da professora canadense Jennifer Carter. Os resultados foram apresentados durante o III Seminário Internacional Ciência e Museologia – Universo Imaginário, promovido, de 14 a 17 de setembro, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), por meio da Memória do Judiciário Mineiro (Mejud), e pelo Grupo de Pesquisa e Estudos em Museologia, Arte, Estética na Tecnologia, Educação e Ciência (Musaetec), sediado na Escola de Ciência da Informação (ECI) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Foto: Marcelo Albert
Carter, que é coordenadora do programa de pós-graduação em museologia da Universidade de Quebec em Montreal (UQÀM), no Canadá, qualificou o estudo como etnografia museal, cujo método baseou-se na análise do discurso e do conteúdo e na gravação de entrevistas com profissionais dos museus pesquisados.
Seu trabalho teve como referência principal dois grandes museus nacionais canadenses dedicados aos direitos da pessoa e à imigração, com uma visão internacional no tratamento dos direitos humanos. Segundo ela, mesmo em museus visitados de outros países que não possuem estruturas físicas tão grandiosas, foram identificados projetos significativos.
Explicou que escravidão, genocídio e regime totalitário ocorridos em países como Senegal, Camboja e Chile são temas consagrados em museus que se dedicam aos direitos das pessoas e se consagram como gênero memorial. “Eles têm duas características importantes: são dedicados particularmente aos eventos históricos e destacam os esforços dos cidadãos para sair desses processos de sofrimento”, disse.
Segundo a professora, os museus são dotados de elementos que estimulam a memorização, por meio de narrativas de pessoas que enfrentaram os abusos. Para ela, o testemunho é uma imensa prova de que os fatos ocorreram. “Uma das funções dos museus de direitos humanos é devolver a palavra àqueles que ficaram muito tempo em silêncio”, disse.
A apresentação destacou, entre outros exemplos, o Memorial da Paz de Hiroshima, no Japão, criado em 1955 para relembrar os efeitos devastadores do bombardeio atômico na Segunda Guerra Mundial e contribuir para a abolição das armas nucleares. Como explicou, sua museografia foi evoluindo com o passar do tempo. Na etapa inicial, mostrava as consequências materiais e pessoais da bomba nas vítimas. Depois, passou a trabalhar com uma dimensão psicológica, cuja abordagem afetiva modificou o efeito sobre os visitantes. Um dos objetos mais emblemáticos da exposição é um relógio que parou às 8h06, horário aproximado da queda da bomba sobre Hiroshima. “É um elemento que ilumina a exposição e ajuda na compreensão do fenômeno da guerra”, explicou.
Como disse, atualmente, a museografia do Memorial da Paz é didática e fornece informações sobre os períodos anterior e posterior ao conflito militar. Descreve o desenvolvimento da bomba e explica as razões que levaram ao bombardeio no Japão. Na opinião de Carter, diferentemente do conceito tradicional associado aos museus como guardiões de objetos de valor, o Memorial da Paz tem um papel moralizante. “Um local de honrar os mortos e de interpretação crítica do passado”, acentuou.
Ela classificou esse novo tipo de museografia como temática imersiva. O visitante é provocado a responder o que fará com aquele apelo moral. “Ele é chamado a assumir um compromisso diante da informação. Assim, os museus podem intervir de maneira produtiva no domínio dos direitos, encorajando visitantes a se engajarem nessas causas humanitárias”, concluiu.
Brasil e Canadá estreitam relações
Além da pesquisadora Jennifer Carter, o III Seminário Internacional, realizado nas dependências da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) do TJMG, trouxe a Belo Horizonte os professores de museologia da UQÀM Yves Bergeron e Bernard Schiele; a diretora das coleções, arquivos históricos e bibliotecas do Museu da Civilização de Quebec, Katy Tari; e a consultora internacional em museologia canadense Annette Viel, entre outros profissionais brasileiros.
Para o superintendente da Mejud e ex-presidente do TJMG, desembargador Lúcio Urbano Silva Martins, a organização de um evento internacional reforça a missão da Memória do Judiciário Mineiro de preservar, pesquisar e difundir os testemunhos materiais e documentais da história da Justiça mineira e de privilegiar o trabalho intelectual. “Em 2013, criamos a coleção com obras de magistrados e servidores. Em breve, lançaremos o livro que resume a história das 296 comarcas mineiras”, anunciou.
A lotação completa do auditório e das salas de estudo da Ejef refletiu o interesse do público diante do nível elevado do conteúdo programático do seminário. A assessora da Mejud, Andreá Costa Val, destacou a qualidade dos palestrantes. “A presença de especialistas estrangeiros abre espaço para implementar novas frentes de estudo sobre a museologia no Brasil”, disse, ressaltando a importância de o Tribunal de Justiça receber grandes eventos. “Acreditamos que os participantes levaram uma impressão positiva da instituição no campo da pesquisa”, avaliou.
Na opinião da coordenadora do Musaetec, Cátia Rodrigues Barbosa, os canadenses trouxeram experiências relacionadas à identidade cultural do país deles. “Eles perceberam que o Brasil tem condições de desenvolver pesquisas e fazer um paralelo com o Canadá, a América do Norte e a Europa”, disse.
“Tivemos a possibilidade de debater sobre as pesquisas desenvolvidas no âmbito da ciência da informação e da museologia do Canadá. Esse contato permitirá ampliar o intercâmbio entre alunos da UFMG e da Universidade de Quebec em Montreal”, explicou. Destacou ainda que a Mejud poderá ser incluída nesse processo de troca de experiências com os representantes canadenses.
Segundo Barbosa, as atividades desenvolvidas pela Mejud, apresentadas em uma das mesas-redondas, atraiu a atenção dos estrangeiros. “O Judiciário trata diretamente com as demandas da sociedade. Esse é um aspecto social da museologia e abre perspectivas de pesquisas com eles, porque o direito da pessoa é pertinente às diretrizes da Memória do Judiciário Mineiro”, sintetizou.
A professora lembrou ainda que a terceira edição do seminário internacional é fruto da parceria vitoriosa entre a UFMG e a Mejud. As duas instituições também realizam palestras trimestrais com a presença de especialistas em temas ligados a educação, museologia e ciência. No entendimento da professora, esses eventos contribuem para divulgar o Tribunal de Justiça. “Quanto maior o acesso à informação, maior a consciência da comunidade sobre os seus direitos e sobre o papel do Poder Judiciário”, acrescentou.
Fonte: TJMG