O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (30), em turno suplementar, o projeto que regulamenta a prática das audiências de custódia (PLS 554/2011). A votação em primeiro turno ocorreu antes do recesso de julho e, no início do mês de novembro, o Plenário aprovou as emendas apresentadas na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A matéria agora segue para a análise da Câmara dos Deputados.
O projeto altera o Código de Processo Penal para estabelecer que o preso tem o direito de ser assistido por defensor, público ou particular, durante seu interrogatório policial, podendo-lhe ser nomeado defensor dativo pela autoridade da polícia. O texto também determina que o preso terá direito a passar pelo exame de corpo de delito. Segundo a relatora, senadora Simone Tebet (PMDB-MS), esse tipo de exame permite conferir a integridade física do preso após a prisão em flagrante, medida que pode desestimular a prática de agressões e tortura por policiais que efetuam a prisão ou que guardam o preso no curso do inquérito policial.
Uma emenda apresentada pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ) assegura que, antes da apresentação do preso ao juiz, será assegurado seu atendimento prévio por advogado ou defensor público, em local reservado, visando a garantia da confidencialidade. Outra emenda de Lindbergh veda a presença, durante a audiência de custódia, dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação. Segundo o senador, a presença desses policiais intimida e constrange o preso no momento de seu depoimento acerca das circunstâncias da prisão.
O texto também estipula prazo máximo de 24 horas para que um preso em flagrante seja levado diante de um juiz. Nessa audiência de custódia, o magistrado decidirá sobre a manutenção da prisão, ouvida a defesa e o Ministério Público. Se a audiência de custódia não ocorrer no prazo previsto, o fato deverá ser comunicado à defesa, à acusação e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Uma emenda apresentada em Plenário, no entanto, estabelece que o prazo para a apresentação do preso perante o juiz competente poderá ser estendido para até 72 horas, no máximo, mediante decisão judicial fundamentada, se houver dificuldades operacionais da autoridade policial.
Direitos
A prisão em flagrante deverá ser comunicada às autoridades competentes, inclusive às autoridades da Defensoria Pública. O juiz deverá verificar se os direitos fundamentais do detento estão sendo respeitados e poderá dispensar o pagamento da fiança, quando for o caso, se verificar as poucas condições financeiras do preso. Além disso, não poderá usar a audiência como prova contra o depoente, devendo tratar apenas da legalidade e da necessidade da prisão, da prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos e do esclarecimento dos direitos assegurados ao preso.
O projeto ainda estabelece que, imediatamente após o registro do auto de prisão em flagrante e se for alegada violação a direitos fundamentais, a autoridade policial deverá determinar as medidas necessárias para a preservação da integridade do preso, pedir a apuração dos fatos e instaurar inquérito.
Destaques
O texto prevê a realização da audiência de custódia por videoconferência, como exceção, em casos específicos. O senador Humberto Costa (PT-PE) questionou a medida, por considerar que a audiência de custódia exige a presença física do preso, que poderá tanto fazer uma denúncia como ter sua condição de integridade física confirmada pelo juiz.
Já senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) reclamou da retirada de um parágrafo, fruto de uma emenda de sua autoria na CCJ, que previa que o descumprimento do prazo para a apresentação do preso perante o juiz, por si só, não enseja o relaxamento da prisão. Com a retirada desse parágrafo, segundo Caiado, o preso terá de ser liberado se não houver a audiência em até 72 horas.
Tanto Caiado quanto Humberto Costa apresentaram destaques sobre seus questionamentos. Submetidos à votação, porém, foram rejeitados pelo Plenário, prevalecendo o texto final da relatora. Para Simone Tebet, a retirada da emenda de Caiado não compromete o projeto, já que existe também a previsão de sanções pelo não cumprimento do prazo. Ela também reafirmou sua defesa pela viabilidade da videoconferência.
— Já ocorreram casos em que o deslocamento de um preso ocasionou várias dificuldades. A videoconferência foi incluída a pedido do Ministério Público e do STF — ressaltou Simone.
Simone Tebet
O presidente do Senado, Renan Calheiros, cumprimentou a senadora Simone Tebet (PMDB-MS) pelo texto final do relatório. Os senadores Eduardo Braga (PMDB-AM), Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), Humberto Costa (PT-PE) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), entre outros, também elogiaram o trabalho de Simone Tebet.
A relatora agradeceu os elogios, mas destacou a iniciativa do autor, Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), e as colaborações dos colegas Humberto Costa (PT-PE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ela ainda registrou as contribuições que obteve em conversas com representantes de outros órgãos, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR).
— Depois de muito debate e muito diálogo, entendemos que chegamos a um parecer de consenso. O projeto não tem a ver apenas com o direito do encarcerado, mas a nossa preocupação, acima de tudo, é com a Justiça e com a sociedade — declarou a relatora.
Simone informou que o Brasil tem hoje cerca de 620 mil presos. Desses presos, cerca de 40% estão na cadeia sem ter ao menos uma audiência com um juiz. Ela disse que a regulamentação da audiência de custódia pode retirar das cadeias muitas pessoas que foram presas de forma injusta, separando “o joio do trigo”. Segundo a relatora, a economia para os cofres públicos pode chegar a R$ 3 bilhões.
Fonte: Agência Senado