As crianças que são retiradas do convívio familiar pela Justiça – como forma de proteção contra uma situação de vulnerabilidade, quer seja de violência, abuso ou negligência – ainda têm uma oportunidade de se desenvolver em uma família. Esse é o objetivo do acolhimento familiar, medida protetiva preferencial expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que envolve famílias acolhedoras capacitadas para receber crianças e adolescentes, de forma temporária.
O serviço é de responsabilidade do município, mas, para ser estruturado, precisa da participação do Sistema de Justiça e da sociedade, conforme explicaram os participantes do 1º Encontro do Sistema de Justiça: A Prioridade do Acolhimento Familiar”, realizado pelo Conselho nacional de Justiça (CNJ), nos dias 1º e 2 de setembro.
Para instaurar o serviço de acolhimento familiar em seus municípios, os palestrantes contaram um pouco sobre suas experiências de sensibilização dos prefeitos, da rede protetiva e da sociedade. O juiz José Roberto Poiani, titular da Vara da Infância e da Juventude de Uberlândia do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), reforçou que é preciso investir no diálogo, a fim de estruturar um serviço que atenda às necessidades do público-alvo. “Em acolhimento familiar não se pode improvisar. Vale a pena fazer com que a prioridade absoluta da primeira infância comece na mesa do juiz”, disse, reforçando que o Sistema de Justiça precisa se tornar sensível, acessível e amigável às crianças e adolescentes, especialmente nos momentos em que ela tem que ser retirada de sua família de origem.
De acordo com o magistrado mineiro, o convívio familiar é muito importante para o desenvolvimento. “É preciso que essas crianças e adolescentes acreditem que família é um lugar de proteção e não é aquele lugar de violação de direitos.” Em Uberlândia, o serviço de acolhimento familiar foi criado em 2014, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta feito com o Ministério Público, e executado por meio de uma organização da sociedade civil. Depois, foi aprovada uma lei municipal, prevendo, incialmente, 10 vagas para o acolhimento familiar. “Com diálogo e medidas de sensibilização, trabalhamos na preparação das equipes técnicas – que devem ser bem capacitadas -, e com uma bolsa-auxílio oferecida pelo município – porque devemos cuidar de quem cuida”, explicou Poiani. Atualmente, 60% do acolhimento realizado no município é familiar e há 37 famílias cadastradas.
O trabalho da Justiça vai além da remoção das crianças da situação de risco, mas deve se envolver em todas as etapas, como afirmou Luiz Carlos Rosa, juiz da comarca de Santo Ângelo/RS, município com 80 mil habitantes. De acordo com ele, é preciso que não apenas os gestores estejam convencidos das vantagens do acolhimento familiar, mas também a comunidade. “É importante que todos tenham conhecimento do serviço. Para isso, fizemos uma campanha de divulgação, envolvendo os magistrados, Ministério Público e Rede Protetiva. Ocupamos os espaços na imprensa, em clubes de serviços, igrejas e eventos.”
O retorno, segundo o juiz, foi positivo, já que houve um aumento no número de famílias cadastradas e na capacitação da equipe técnica, que passou a agir de forma exclusiva para o serviço de acolhimento. “É preciso prezar pela técnica, ter apoio do gestor, dar conhecimento sobre o serviço, divulgar e capacitar”. Além disso, o acolhimento familiar se tornou política pública do município por meio de projeto de lei estadual. Atualmente, há 39 crianças em acolhimento familiar. Também há um total de 36 famílias habilitadas, permitindo que o município chegue a 78% do acolhimento com famílias e não em instituições.
O papel da família acolhedora no processo de transição é importante também para dar estabilidade emocional às crianças. Segundo Ana Carolina Pereira, psicóloga e coordenadora do serviço de acolhimento familiar SAPECA, de Campinas (SP), é preciso desenvolver com as famílias o vínculo de parceiro das crianças acolhidas. Para tanto, a equipe técnica intermedia e orienta a família, ampliando a rede de proteção do acolhido, em um processo contínuo de sensibilização, para aumentar as chances de sucesso do acolhimento.
Municípios pequenos
Já na comarca de Ascurra (SC), que atende três municípios de pequeno porte, Ascurra, Rodeio e Apiúna, o promotor de Justiça no Ministério Público de Santa Catarina João Luiz de Carvalho Botega contou que a sensibilização foi feita com os prefeitos e que, por meio de um convênio, foi possível instalar o serviço. A comarca tem sete famílias habilitadas e mais duas em fase de capacitação.
O promotor reforçou que “é mito que as famílias acolhedoras tenham interesse apenas no subsídio oferecido”. De acordo com Botega, com os resultados alcançados, é possível perceber o interesse da comunidade em participar de forma efetiva na transformação de vida das crianças em um momento tão difícil. “Quando o sistema é bem estruturado, o serviço funciona muito bem.” Ele reforçou que os custos com o acolhimento familiar são mais baixos que do institucional, o que foi reafirmado pelos demais palestrantes Mesmo assim, o promotor disse que o governo federal precisa redesenhar a política de assistência social para os municípios de pequeno porte, a fim de incentivar essas medidas.
João Luiz de Carvalho Botega recomendou que os municípios que se dispuserem a adotar o serviço de acolhimento familiar visitem os lugares onde o serviço já tenha sido instalado. “Vejam como funciona, troquem experiências vivenciadas em rede municipal e lembrem que o acolhimento no município é preferencial.”
Fonte: CNJ