Juiz Marcos Henrique Caldeira Brant


O crime em série é um crime de caráter repetitivo. Homicídio em série, latrocínio em série, estupro em série, incêndio em série, entre outros. A produção seriada do crime ocorre de forma intervalada, por um período de tempo que pode ser de horas a anos. O criminoso atua isoladamente, executa suas ações com o mesmo modus operandi. O motivo quase sempre é psicológico. O comportamento do criminoso e a evidência física observada nas cenas dos crimes refletem nuanças de perversão ou malvadez.

Do assassinato seriado resultou a utilização do termo inglês serial killer, adotado pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) a partir da década de 1970, muito embora conste que já tenha sido adotado pela polícia alemã em 1930. Doravante, o termo se incorporou a outros idiomas, passando a ser utilizado na linguagem técnica policial em quase todo o mundo. A história forense geral é rica em casos de assassinatos em série, fenômeno criminal ocorrente em todas as épocas e países.

Um caso emblemático é o do Jack, o estripador ocorrido na Inglaterra em 1881. Um homem (até hoje com identidade desconhecida) assassinou com dose de extrema crueldade oito prostitutas em um bairro pobre de Londres. Jack agia sempre na calada das noites frias, acobertado pelo nevoeiro. Até hoje, passados 129 anos, esse caso intriga estudiosos forenses e as autoridades inglesas.

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em 1970, o caso do Bandido da cartucheira, Ramiro Matilde Siqueira, então com 23 anos. Ramiro, motivado pelo desejo incontrolável de maldade, percorria áreas rurais dos municípios metropolitanos e se comprazia em roubar e assassinar as vítimas, muitas vezes famílias inteiras indefesas de pacatos ruralistas, utilizando quase sempre como instrumento a espingarda (cartucheiras de calibres variados), subtraída das próprias vítimas.

Assassinou 40 pessoas, entre homens e mulheres. Causou verdadeira histeria e paranoia no meio rural e deu muito trabalho à policia mineira para sua identificação e captura. Foi preso, julgado e condenado em várias comarcas. Ramiro acabou encontrado morto em uma cela de delegacia em 1981.

Na cidade de São Paulo, em 1998, o caso conhecido como Maníaco do parque, Francisco de Assis Pereira, então com 30 anos. Francisco, que trabalhava como motoboy, seduzia as vítimas mulheres com promessa de serem fotografadas para uma revista, as levava em sua moto para um parque florestal, supliciava-as, abusava sexualmente e as matava. Foram nove mulheres na faixa etária de 18 a 26 anos. Sua ação intrigou a polícia paulista. Foi descoberto, preso, julgado e condenado à pena total de 143 anos de prisão.

No início deste ano, a polícia judiciária mineira veio a desvendar uma série de intrincados desaparecimentos de mulheres ocorridos em Belo Horizonte e Contagem, que acabou sendo atribuído ao Maníaco de Contagem ou Maníaco do Industrial. Marcos Antunes Trigueiro, de 31, que confessou ter estuprado e matado cinco mulheres de idades variadas.

Recentemente, a polícia judiciária goiana desvendou a ação do pedreiro, Maníaco de Goiás, Adimar Jesus da Silva (Ademar de Jesus Silva), de 40, que confessou ter matado seis rapazes nas cidades de Luziana e Cristalina. Adimar, depois de atrair com promessas diversas as vítimas, na faixa etária de 13 a 19 anos, mantinha com essas relação homossexual para depois matá-las a pauladas e consumir com seus corpos, enterrando-os.

Casos como o do pedreiro maníaco de Goiás; o maníaco de Contagem; e o maníaco do parque têm os crimes de atentado violento ao pudor e o estupro como o principal motivo. O crime de homicídio é uma forma de encobrir aqueles crimes voluptuosos. Já a ocultação do cadáver tem por objetivo desfazer a prova do crime. Os dois primeiros assassinos em série têm em comum a vida pregressa de passagens pela polícia e até processos-crime, condenações e cumprimento de pena.

Os assassinos em série são muito estudados pela sociologia e psiquiatria forense, tendo por diagnóstico o transtorno de personalidade. O assassino, pessoa aparentemente normal, é levado à prática sucessiva de mortes, com intervalos de tempo, utilizando-se do mesmo modus operandi, quase sempre com extrema violência.

Em 2005, o psiquiatra forense americano Michael Stone, da Universidade de Columbia, depois de anos de pesquisas sobre assassinatos e casos de extrema violência, concluiu interessante estudo sobre a maldade humana, criando a controvertida e criticada Most Evil, escala do mal, graduada em ordem crescente de 1 a 22 casos, aferindo o índice do instinto malvado, a fim de ajudar a compreender e tratar esse tipo de comportamento humano.

A criminologia moderna admite que o homem pode nascer com certa tendência para a prática do crime. Considera-se criminoso por tendência aquele que comete o crime de homicídio tentado ou consumado e lesão corporal grave, e pelos motivos determinantes e meios ou modos de execução revela extraordinária torpeza, perversão ou malvadez.


* Marcos Henrique Caldeira Brant é juiz da 11ª Vara Criminal de Belo Horizonte.

O artigo foi publicado no caderno Direito e Justiça, do jornal Estado de Minas, edição de hoje, 26/04/2010.