A contribuição do ministro Sepúlveda Pertence na elaboração de uma Constituição democrática, na mudança de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e na reestruturação do Ministério Público Federal foi destacada em discursos durante sessão solene realizada nesta quinta-feira (2), no Plenário da Corte, em homenagem a ele, que se aposentou como membro da Corte em 17 de agosto do ano passado.
A homenagem é tradição no STF e ocorre no ano seguinte ao da aposentadoria do ministro que, também conforme a tradição, não se faz presente à sessão. Entretanto, Pertence se fez representar por sua esposa, Dona Suely e filhos. Após a sessão, compareceu para receber os cumprimentos. Nomeado pelo ex-presidente José Sarney em1989, Pertence assumiu, em 17 de maio daquele ano, a vaga deixada pelo ministro Oscar Corrêa. Com a aposentadoria, foi substituído por Menezes Direito que, no momento, é o mais recente ministro a ingressar na Corte.
O homem é o eterno fazer-se
“O homem é o eterno fazer-se, porque nunca fica a obra acabada”. Com esta observação, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha simbolizou a polivalência e a constante mutação ocorrida na vida do menino de Sabará (MG) José Paulo Sepúlveda Pertence, nascido em 1937, ano da promulgação da ”Polaca”, a Constituição autoritária da ditadura Vargas, que representou um antônimo à luta travada ao longo da vida de Pertence pela redemocratização do país, pela criação de um Estado de direito e por uma Constituição cidadã.
Diante de um plenário lotado, entre outros, por ministros aposentados, presidentes de diversos tribunais superiores e representantes do Ministério Público, a ministra recordou que, já em Belo Horizonte, Pertence formou-se em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, durante seu período de estudante, foi vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), que ele chegou a presidir interinamente, em diversas ocasiões.
Em seguida, ele se mudou para Brasília durante o governo do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, vindo a atuar como secretário judiciário do então ministro do STF Evandro Lins e Silva. Aprovado em primeiro lugar em concurso para procurador do Ministério Público do Distrito Federal, foi compulsoriamente aposentado em 1969 pelo Regime Militar, acusado de “subversão”. A esse propósito, a ministra afirmou: “Libertar-se nos tempos autoritários é quase um dever”, lembrando que era este um sentimento generalizado daqueles que ansiavam por liberdade e democracia, na época.
A atitude do regime militar, ainda conforme a ministra Cármen Lúcia, levou Pertence a voltar para o escritório do então cassado ministro do STF Vítor Nunes Leal. Na época, Pertence elegeu-se presidente da OAB/DF e vice da OAB nacional, onde passou a dizer “não, quando era fácil dizer sim aos então detentores do poder”.
Na década de 80, Pertence foi designado pelo então presidente eleito Tancredo Neves como procurador-geral da República, cargo que, apesar da morte de Tancredo, exerceu durante o governo Sarney. Foi neste posto, como lembrou a ministra Cármen Lúcia, que coube a ele delinear o novo papel da Procuradoria Geral da República (PGR). E, como membro da Comissão Afonso Arinos, integrada por especialistas que levaram à Assembléia Nacional Constituinte sugestões para reforma tanto do Judiciário quanto do Ministério Público, teve importante papel. Segundo ela, nesse trabalho, Pertence não se limitou à elaboração das propostas, mas exerceu, paralelamente, um persistente trabalho de convencimento dos constituintes para aprovarem as inovações.
E tais inovações foram, em grande parte, consagradas na Constituição Federal (CF) de 1988, que no próximo domingo, dia 5 de outubro, completa 20 anos, conforme lembrou a ministra.
Além de decisões inovadoras que tomou durante sua atuação no STF – também foi ministro do Tribunal Superior Eleitoral –, a ministra Cármen Lúcia recordou que foi Pertence quem deu nova configuração também às edificações que compõem o STF.
“Se pode e se deve, a cada dia, reinventar a vida. Pertence o fez”, concluiu ela seu pronunciamento, lembrando da atuação múltipla que o ministro aposentado vem tendo ao longo de sua vida..
PGR
O procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, centrou seu pronunciamento sobretudo na reforma da PGR promovida por Sepúlveda Pertence, quando chefiou a Procuradoria Geral. “O MP brasileiro tem uma enorme dívida com Pertence”, afirmou, observando que foi na gestão dele que “a PGR tornou-se, efetivamente, autônoma”.
Inovações no STF
Em seu pronunciamento, o presidente em exercício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB nacional), Ophir Cavalcante Júnior, destacou que Sepúlveda Pertence é dos principais responsáveis pelo fato de a Constituição Federal de 1988 ter como ponto alto os direitos e garantias fundamentais, inscritos no Título II da CF, em contradição ao texto da Constituição de 1967, nascida durante o Regime Militar.
Conforme lembrou o representante da OAB, se antes tudo era centrado na figura do Estado, este virou “democrático de direito, o adjetivo a serviço do substantivo”.
Cavalcante Júnior destacou, além disso, o papel inovador de Pertence como ministro do Supremo Tribunal Federal. Entre outros, ele creditou a ele três mudanças importantes na jurisprudência da Corte, quais sejam: a legitimidade das Centrais Sindicais para questionar a constitucionalidade de leis perante o Supremo; o fim das ações penais por crime tributário, quando o debito ainda esteja sendo questionado em âmbito administrativo, e a competência da Justiça Trabalhista para julgar ações por danos morais, quando decorrentes de relação empregatícia.
Cavalcante Júnior destacou ainda, entre outros, a ação corajosa de Pertence, quando vice-presidente da OAB, quando uma bomba explodiu na sede nacional da entidade, no Rio de Janeiro, matando uma funcionária. Segundo ele, o episódio, atribuído a grupos de direita, serviu para reforçar a campanha pela redemocratização do País, de que a OAB, tendo Pertence como um dos seus líderes, participou decisivamente. “Pertence não teve partido, mas participou de lutas política e sociais”, destacou Ophir Cavalcante Júnior. “Sua causa era a cidadania”.
Por fim, o presidente em exercício da OAB destacou também a atuação de Pertence como advogado, durante o regime militar. Lembrou que, na época, o homenageado defendeu muitos perseguidos políticos, gratuitamente. E saudou a volta dele à advocacia, após se aposentar no STF.
Fonte: STF