O juiz espanhol Baltasar Garzón defendeu, nesta segunda-feira (12/8), maior democratização na escolha de membros de órgãos de governo que, a exemplo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), administram e disciplinam o Poder Judiciário. “Esses órgãos, cujos membros seriam eleitos pelo voto popular, também deveriam reservar uma fração de suas cadeiras para os próprios cidadãos, para que outros segmentos da sociedade também fossem representados. Esse seria, definitivamente, um instrumento de democratização do Judiciário”, disse à revista eletrônica Consultor Jurídico, logo após participar da 31ª Reunião da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), na capital fluminense, onde debateu o tema “independência judicial”.
Conhecido mundialmente desde que expediu mandado de prisão contra o ex-ditador chileno Augusto Pinochet, Garzón foi condenado pela Justiça de seu país, em fevereiro de 2012, a 11 anos de afastamento da profissão por abuso de autoridade. Ele é acusado de usar escutas ilegais na investigação de um suposto esquema de corrupção no Partido Popular. A decisão, no entanto, é controversa: seu autor, o presidente do Tribunal Supremo Francisco Pérez de los Cobos, teria ocultado sua condição de militante do partido governista quando recebeu o convite para ingressar nesta corte.
Promoções
Para o juiz, aumentar a participação popular no Conselho Geral do Poder Judiciário da Espanha, equivalente ao CNJ, seria uma forma de evitar excessos e favorecimentos internos nos tribunais. “Aquelas promoções de magistrados que não fossem pelo critério da antiguidade ocorreriam por meio da intervenção deste órgão. Os tribunais precisam se dedicar a uma função estritamente jurisdicional”, argumenta.
O papel dos órgãos disciplinadores do Judiciário é, segundo ele, o grande tema das sociedades democráticas hoje. “A participação popular é a única maneira de contrapor os poderes políticos e econômicos que influenciam as próprias estruturas internas do Poder Judiciário.”
Ao ser lembrado que tal proposta é vista com desconfiança no Brasil, sob o argumento de que politizaria o Judiciário e afetaria sua independência, o magistrado esclarece que não está propondo "um controle por parte dos políticos", o que, segundo ele, já ocorre. "Os juízes trabalham em nome do povo, o titular da Justiça é o povo e este é o único que não está representado na Justiça”, critica.
Poder político
Sobre a presumida politização, Garzón afirma que o Poder Judiciário é “essencialmente" um poder político. “Aqueles juízes que atuam de acordo com o sistema estabelecido, com respeito e proteção à corporação, não têm problemas. São juízes equânimes, assépticos. Já os outros que questionam essa estrutura corporativa, tentam abri-la, levando a ação judicial onde deve estar, estes são juízes ideologizados, políticos, parciais, não são neutros. Quer dizer, os juízes deveriam ter o encefalograma plano, porque só assim é impossível ter opiniões políticas e posição ideológica", ironiza.
Os juízes, na sua visão, precisam ter sua ação política e visão ideológica, e projetá-la na sua interpretação das normas. "O que não quer dizer, obviamente, que sua decisão será parcial”. Ainda segundo o magistrado, vive-se hoje a politização da Justiça e a judicialização da política. “O problema é de equilíbrio de poderes. A lógica que determina que o Parlamento seja escolhido pelos cidadãos também deveria valer para os membros do órgão que disciplina o Judiciário”, defende.
Eleição à parte
Garzón faz questão de distinguir sua proposta da apresentada pela presidente da Argentina Cristina Kirchner. Ele conta que enquanto a proposta do governo argentino prevê a a eleição dos membros do judiciário junto com as listas dos partidos políticos — o que foi declarado inconstitucional — sua ideia é de uma eleição direta, específica.
“Nunca se permite a eleição direta dos membros dessa estrutura de governo (órgãos como CNJ). E sabe por quê? Porque o povo ainda é considerado menor de idade. Dizem não querer que haja controle porque os cidadãos são influenciáveis. E, por acaso, os juízes não são influenciáveis?”, questiona.
Atualmente, Baltasar Garzón tem atuado como defensor dos direitos humanos e de outras questões sociais. Seu escritório de advocacia trabalha na defesa do australiano Julian Assange, fundador do site Wikileaks, que revelou uma gigantesca quantidade de documentos secretos da inteligência e da diplomacia americana e hoje está refugiado na embaixada do Equador, em Londres.
Marcelo Pinto é correspondente da ConJur no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2013