O Supremo Tribunal Federal voltou a se dividir, nesta quinta-feira (16/5), ao discutir a amplitude das atribuições do Senado diante de decisões do tribunal que declarem a inconstitucionalidade de leis em ações de controle difuso. O debate se dá por conta de uma previsão da Constituição Federal.
Em seu artigo 52, inciso X, a Constituição prevê que compete privativamente ao Senado “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. Por enquanto, por 3 votos a 2, o Supremo se inclina por decidir que a lei declarada inconstitucional em pedido de Habeas Corpus depende da chancela do Senado para ter eficácia geral. Ou seja, para vincular as decisões de instâncias inferiores e da administração pública.
Nos casos em que o Supremo declara a inconstitucionalidade de leis em ações de controle concentrado, casos da Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, as decisões surtem efeito imediato, também por conta de previsão expressa da Constituição.
No artigo 102, parágrafo 2º, o texto fixa: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.
Mas quando essa declaração de inconstitucionalidade é feita no julgamento de outras ações, como a de Habeas Corpus, existe a dúvida sobre se a decisão do STF surte efeito imediato ou se depende da chancela do Senado. O tema divide o tribunal e faz a temperatura subir, ainda que não muito, como se viu nesta quinta.
Os ministros julgavam a Reclamação 4.335, ajuizada pela Defensoria Pública da União contra decisões da Justiça do Acre que negaram a progressão de regime a condenados por crimes hediondos. O Supremo já declarou inconstitucional a lei que proibia a progressão. No julgamento do HC 82.959, o plenário decidiu derrubar o artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/90, que proibia a progressão. Apesar da decisão, o juiz da Vara de Execuções Penais de Rio Branco vinha rejeitando os pedidos de progressão de regime com o argumento que a decisão depende de ato do Senado. Por isso, a Defensoria entrou com Reclamação no STF.
A Reclamação começou a ser julgada em fevereiro de 2007. O ministro Gilmar Mendes, relator da ação, entendeu que a decisão do Supremo surte efeito imediato, independentemente de o Senado se manifestar ou não. Nesta quinta, voltou a defender sua tese. Segundo ele, se o STF decidir de forma diferente, se transformará em um clube “lítero-poético-recreativo”. A ação foi suspensa por pedido de vista do ministro Eros Grau, hoje aposentado.
Em 19 de abril daquele ano, Eros Grau devolveu o processo para julgamento e votou com a corrente iniciada por Gilmar Mendes. Mas os ministros Sepúlveda Pertence, já aposentado, e Joaquim Barbosa divergiram. Para os dois, quando o Supremo declara uma lei inconstitucional em controle difuso, a decisão vale só para as partes. Para ter eficácia geral, depende de resolução do Senado. Na ocasião, Pertence disse que não pode ser reduzida a uma “posição subalterna de órgão de publicidade de decisões do STF” uma prerrogativa à qual o Congresso Nacional se reservou.
O julgamento foi retomado nesta quinta-feira, com o voto do ministro Ricardo Lewandowski, que fez coro aos argumentos de Pertence e Barbosa. O ministro lembrou que essa é uma prerrogativa dada ao Senado desde a Constituição de 1934 e que não cabe ao Supremo fazer pouco de uma previsão expressa da Constituição.
O ministro Lewandowski observou que entre 7 de fevereiro de 2007 e 16 de junho de 2010, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado pautou, para deliberação dos senadores, 53 ofícios encaminhados pelo Supremo solicitando a promulgação de projeto de resolução para suspender a execução de dispositivos declarados inconstitucionais em sede de controle difuso.
Ainda de acordo com o ministro, dispensar o ato do Senado “levaria a um significativo aviltamento da tradicional competência daquela Casa Legislativa no tocante ao controle de constitucionalidade, reduzindo o seu papel a mero órgão de divulgação das decisões do Supremo Tribunal Federal nesse campo”. Segundo ele, “a prevalecer tal entendimento, a Câmara Alta sofreria verdadeira capitis diminutio no tocante a uma competência que os constituintes de 1988 lhe outorgaram de forma expressa”.
O clima esquentou no tribunal — mas não chegou perto de outras discussões assistidas recentemente na Corte. O ministro Marco Aurélio afirmou que “não interessa declarar guerra total, considerado o Legislativo”.
Depois, Marco Aurélio questionou Gilmar Mendes: “Então Vossa Excelência conclui pela inconstitucionalidade do inciso X do artigo 52?”. Mendes se irritou: “Não, Vossa Excelência já deveria ter lido o voto. Vossa Excelência teria me honrado se tivesse lido o voto”. Marco, então, apaziguou os ânimos: “Eu quero ouvi-lo. Por isso é que estou aparteando. Não fique nervoso”. Mendes devolveu: “Um pouco de respeito há de vir”.
O julgamento não foi concluído porque o ministro Teori Zavascki pediu vista da ação. Em tempos de tensão entre poderes por conta de recentes decisões do Supremo, como a liminar que suspendeu a tramitação do projeto de lei que inibe a criação de partidos, e em razão da proposta que submete parte das decisões do STF ao crivo do Congresso, o pedido de vista veio em boa hora, disseram alguns observadores.
Revista Consultor Jurídico, 16 de maio de 2013