Existem três limites para a intervenção do Judiciário nas políticas públicas: quando a omissão ou a política já implementada não oferecer condições mínimas de existência humana; se o pedido de intervenção for razoável; e, do ponto de vista administrativo, a omissão ou a política seja desarroazoada. Em todos os casos, é preciso que haja verba para a implementação das medidas.

Esses parâmetros para a intervenção do Judiciário em políticas públicas foram traçados em voto do ministro Celso de Mello, pelo Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 45. Implementar políticas públicas não está entre as atribuições do Supremo nem do Poder Judiciário como um todo, escreveu o ministro. Mas é possível atribuir essa incumbência aos ministros, desembargadores e juízes quando o Legislativo e o Executivo deixam de cumprir seus papéis, colocando em risco os direitos individuais e coletivos previstos na Constituição Federal.

Para Ada Pellegrini Grinover, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, esses limites, desde que observados pelo Judiciário, são suficientes para evitar excessos. A professora participou no último sábado (8/8) do 3º Congresso LFG de Estudos de Casos Jurídicos, que aconteceu em São Paulo.

Segundo ela, não há dúvidas de que a inclusão de um remédio na lista oferecida pelo SUS é um pedido razoável, usando como exemplo decisão da ministra Ellen Gracie, de junho de 2007. Para a ministra, o fato de um remédio não estar incluído em programa de distribuição de medicamentos não pode comprometer o direito à saúde. Ela determinou que os estados do Rio Grande do Norte e do Amazonas fornecessem remédios que não constam no Programa de Medicamentos Excepcionais, do Ministério da Saúde.

A decisão foi tomada, em favor de duas pessoas com doenças grave, no julgamento de duas Suspensões de Segurança ajuizadas pelos estados. Nas duas decisões, reafirmou que a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e distribuição de medicamentos “não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo artigo 196 da Constituição Federal, que obriga todas as esferas de governo a atuarem de forma solidária”.

No entanto, segundo a professora, “os tribunais têm ido além”. Ela chama atenção para decisões em que o Estado é condenado a pagar viagens ao exterior de pacientes que pretendem fazer cirurgias que ainda não existem no país ou para a importação de remédios que não são aprovados pela Anvisa. “Não é razoável que se fale em política pública quando se trata de um caso individual. Não se trata do mínimo indispensável para todos e, mais, não há previsão orçamentária”, concluiu.

Segundo Ada, os tribunais têm aceito o controle de políticas públicas de sete anos para cá. Ela lembra ainda de uma decisão em que o Superior Tribunal de Justiça determinou reserva de parte do orçamento de um município diante da necessidade de recuperação do solo de determinada região.

Cita também acórdão em que o Tribunal de Justiça de São Paulo, em Ação Civil Pública, determinou a restauração do conjunto arquitetônico do Parque da Independência, na capital paulista. Para os desembargadores, o Judiciário pode e deve atuar diante de omissão administrativa, em função do controle que exerce sobre atos administrativos. Não se trata, portanto, de interferência na atividade do Executivo, como concluíram. A professora ressalta que o posicionamento mais representativo foi mesmo o do ministro Celso de Mello, na ADPF 45.

“Durante muito tempo, os tribunais se limitaram a verificar se as políticas eram legais ou não. E não o contexto em que estavam inseridas”, afirma Ada. A mudança começou com a regulação da Ação Popular, através da Lei 4.717, de 1965. A partir daí, ultrapassaram-se os limites da análise apenas pelo viés da legalidade para analisar se os atos eram lesivos à moralidade administrativa.

Para a professora, quando o Judiciário é convocado para exercer o controle de uma política pública, está exercendo o controle constitucional, verificando se o artigo 3º da Constituição está ou não sendo cumprido. O dispositivo prevê que os objetivos fundamentais do Estado brasileiro é construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento social, erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades e promover o bem de todos, sem preconceitos ou formas de discriminação.

Na análise da uma política pública, diz Ada, o juiz vai analisar a aplicação deste dispositivo constitucional. “A meta da Constituição de 88 pode ser resumida na promoção do bem-estar do homem.”


Fonte: Consultor Jurídico