O Supremo Tribunal Federal vai julgar a necessidade de condenação definitiva para que sanções disciplinares possam ser aplicadas a presos. A corte reconheceu a repercussão geral do tema e discutirá se é preciso o trânsito em julgado do processo para considerar como falta grave, no âmbito carcerário, a prática de crime doloso.
O assunto é polêmico e abre duas frentes: a espera pelo trânsito em julgado pode gerar a prescrição da pena, mas a condenação sem o trânsito em julgado contraria o princípio da presunção de inocência. O ministro Ricardo Lewandowski (foto) será o relator do Recurso Extraordinário 776.823, em que se discute a necessidade de trânsito em julgado para se considerar como falta grave a prática de crime doloso.
Na ação, o Ministério Público do Rio Grande do Sul questiona decisão do Tribunal de Justiça gaúcho que considerou que a aplicação do artigo 52 da Lei de Execução Penal, pressupõe o trânsito em julgado da condenação. O MP-RS diz que a aplicação da sanção disciplinar no âmbito administrativo independe da sentença condenatória e não viola o princípio da presunção de inocência. “Eventual sentença condenatória em virtude do mesmo fato viria como um plus, resultando em nova pena a ser cumprida”, completa.
A Lei de Execução Penal prevê que quando um condenado cumprindo pena é flagrado em novo crime, há regressão de regime — ou seja, se o condenado estiver cumprindo pena no semiaberto, e comete novo crime, ele voltará para o regime fechado. Nesse caso, recomeça a contagem da pena. Se a pessoa foi condenada a oito anos e cumpriu dois anos da pena no semiaberto, em caso de novo crime, ele regride de regime, passa a cumprir a pena no regime fechado e a pena nova acumula com os seis anos que faltavam.
Opções
Segundo o promotor de Justiça em Minas Gerais, André Luis Melo, o julgamento no STF deverá responder algumas perguntas chaves: basta o flagrante para aplicar a sanção disciplinar? Ou a condenação em primeira instância é suficiente? Ou, ainda, é necessário o trânsito em julgado do segundo crime?
Para o promotor, deve ser considerada a condenação em primeira instância. “É um meio termo. Se for preciso aguardar o trânsito em julgado do outro crime, quando chegar a resposta, o condenado já terá cumprido a pena do primeiro.” Ele afirma que o prazo para prescrição da falta grave é de três anos, mas os tribunais superiores têm demorado cerca de cinco anos para julgar os processos novos.
Já para Daniel Zaclis, do escritório Costa, Coelho Araujo e Zaclis, a falta grave apenas poderá ser imposta quando houver o trânsito em julgado de delito doloso, respeitando o artigo 52, da Lei 7.210/84. “Em nosso país vigora o princípio da presunção de inocência, de índole constitucional”, afirma.
Zaclis alerta para a hipótese de absolvição posterior, caso a falta grave fosse imposta sem o trânsito em julgado do crime. “É imprescindível que o condenado seja julgado por esse novo fato, permitindo a ele a mais ampla defesa, antes de impor qualquer sanção disciplinar”, afirma.
Resistência à uniformização
Até agora não há a uniformização sobre o tema. E isso gera questionamentos entre estudiosos do Direito, que questionam os interesses envolvidos. As respostas são diversas. Uma delas é a manutenção de mercado de trabalho, já que quanto mais processos acumulados, mais varas são instaladas. Outra aponta para um foco maior na independência do juiz do que na segurança jurídica. A terceira tese diz que a falta de uniformização leva a considerar casos diferentes como se fossem iguais para poderem abarcar um grande espectro de hipóteses de aplicação e, com isso, diminuir as demandas que chegam aos tribunais superiores.
Mecanismos de uniformização, como súmulas vinculantes e recursos repetitivos, foram criados para desafogar o Poder Judiciário, sobretudo os tribunais superiores.
Esses instrumentos de uniformização, ao menos em tese, deveriam também promover agilidade na resolução de demandas que têm por objeto assuntos já analisados anteriormente.
Ocorre que, segundo Zaclis, a análise dos assuntos que gerariam essa uniformização demora muito, sendo certo que milhares de outros processos ficam aguardando por anos para serem julgados. “Isso acaba por criar, sem dúvida, uma morosidade da prestação jurisdicional, justamente aquilo que os mecanismos pretendiam combater inicialmente. A demora na aprovação de matérias vinculantes é especialmente grave em assuntos relacionados ao Direito Penal, mormente em se tratando de temas que podem influenciar diretamente na liberdade do indivíduo”, afirma.
O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados, defende que o lado bom de não haver muitas súmulas vinculantes é de evitar o engessamento da jurisprudência. Entretanto, reconhece que há muitos casos penais importantes que são prejudicados pela falta de uniformização dos tribunais.
Ele cita como exemplo a prisão preventiva, em que a decisão do Supremo não é seguida pelos tribunais estaduais. “O STF diz que não existe a prisão preventiva obrigatória. Mas muitos tribunais continuam aplicando em todos os casos.” Como consequência, segundo Bottini, o sujeito tem de ir até o Supremo para ter o seu direito reconhecido, “o que contribui para a avalanche de processos nas cortes superiores”, afirma.
O ministro Lewandowski, ao assumir, na última quarta-feira (10/9), a presidência do Supremo falou sobre “ressuscitar” a súmula vinculante como forma de dar mais uniformidade à jurisprudência do país. Na ocasião, o presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, desembargador Fábio Prieto, explicou que as súmulas não caíram em desuso — a última é de 2011 — por vontade dos ministros. O que acontece, diz, é que os desembargadores passaram a usar mais o artigo 557 do Código de Processo Civil. Tal dispositivo determina que o magistrado "negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior". Assim, segundo Prieto, não há mais necessidade das súmulas vinculantes.
Fonte: Conjur