O Conselho Nacional de Justiça não dispõe de competência para exercer o controle incidental ou concreto de constitucionalidade de atos de conteúdo normativo.
Esse entendimento norteou a decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu os efeitos de duas deliberações do CNJ sobre regras que deveriam ser adotadas para a composição do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O ministro deferiu o pedido de medida liminar impetrado, por meio de Mandado de Segurança, pelo TJ fluminense.
As deliberações do CNJ resultaram de resposta à consulta formulada pela Presidência do TJ-RJ, depois que o Conselho reconheceu a ilegitimidade constitucional do artigo 99 da Lei Orgânica da Magistratura (Loman). A questão em análise envolve a aplicação, ao Órgão Especial, do chamado quinto constitucional — reserva de um quinto das vagas em tribunais para membros do Ministério Público e advogados. Ao analisar a lista de antiguidade para provimento de vaga destinada ao quinto, o TJ-RJ verificou que o próximo desembargador a ser nomeado era oriundo da advocacia, e não do MP, o que quebraria a alternância. Daí a consulta feita ao CNJ.
Ao julgar, em dezembro de 2013, o mérito da consulta 0004391-71.2013.2.00.0000, os conselheiros decidiram suprimir as regras que distinguem as classes de magistrados de carreira ou membros oriundos do quinto constitucional. De acordo com a relatora, a conselheira Luiza Cristina Frischeisen, após o ingresso no tribunal pelo quinto, o artigo 94 da Constituição prevê que o magistrado passa a gozar de todas as garantias previstas a todos os magistrados, independentemente de sua origem. Em seu voto, a conselheira citou manifestação do STF sobre a incomunicabilidade de vantagens pessoais de cargos anteriores. “Ou seja, após o ingresso na magistratura, são cortadas as relações com a classe de origem do membro, inclusive suas vantagens pessoais”, concluiu.
No último dia 10 de março, o CNJ novamente se debruçou sobre o caso. Ao julgar o Procedimento de Controle Administrativo (0001634-70.2014.2.00.0000) requerido pela Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, o Conselho suspendeu os efeitos da eleição para primeiro vice-presidente do tribunal e para integrante do Órgão Especial. A liminar foi concedida quatro horas após a eleição.
Na reclamação, a OAB-RJ argumentava que a eleição desrespeitava a decisão do CNJ que assegurou isonomia entre magistrados de carreira e aqueles oriundos do quinto constitucional na ocupação das vagas do Órgão Especial do TJ. A decisão foi relatada pela conselheira Luiza Cristina Frischeisen.
Para a corte fluminense, o CNJ teria extrapolado os limites da consulta, tendo em vista que a Constituição Federal não autoriza a reserva de um quinto da composição do Órgão Especial a desembargadores advindos da advocacia e do Ministério Público. Seus representantes argumentaram que a Resolução 16/2006 do Conselho e o artigo 99 da Lei Complementar 35/1979, a Loman, que prevê o quinto constitucional nos órgãos especiais, estariam em desconformidade com a Constituição.
De acordo com o ministro Celso de Mello, ao negar vigência a dispositivo da Loman, o CNJ exerceu de modo indevido atividade de controle de constitucionalidade, “o que implicaria reconhecer que o Conselho Nacional de Justiça teria desempenhado atribuição que lhe é absolutamente estranha à esfera de sua competência”.
Ainda segundo o ministro, a Constituição Federal definiu a extensão dos poderes reconhecidos ao CNJ e estabeleceu que compete a esse órgão “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário” (artigo 103-B, parágrafo 4º), “atribuindo-lhe, por isso mesmo, o encargo de apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgão do Poder Judiciário”.
Mello assinalou que o CNJ, embora incluído na estrutura constitucional do Poder Judiciário, “qualifica-se como órgão de índole eminentemente administrativa, não se achando investido de atribuições institucionais que lhe permitam proceder ao controle de constitucionalidade referente a leis e a atos estatais em geral”.
Segundo o relator, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.367, o STF definiu que a competência constitucional do CNJ “assume perfil estrita e exclusivamente administrativo”. O Plenário do Supremo proferiu outras decisões (AC 2.390 e MS 28.872) no sentido de que o CNJ não dispõe de competência para exercer o controle incidental ou concreto de constitucionalidade de atos de conteúdo normativo.
Em sua decisão, o ministro Celso de Mello considerou juridicamente relevante a alegação de que a deliberação do CNJ transgrediu a autonomia institucional do TJ-RJ (artigos 96 e 99, da CF) e vulnerado a competência legislativa estadual para dispor sobre organização judiciária do estado-membro (artigo 125, parágrafo 1º, da CF).
“Já tive o ensejo de enfatizar que o Conselho Nacional de Justiça, não obstante a sua condição de órgão central do sistema judiciário de controle interno da atividade administrativa e financeira do Poder Judiciário, não dispõe de atribuição cujo exercício possa ofender o autogoverno da magistratura, as prerrogativas institucionais dos tribunais e a autonomia dos estados-membros”, salientou.
O ministro assinalou que o próprio Conselho já reconheceu não dispor de competência para proceder ao controle incidental de constitucionalidade de diplomas legislativos ou de atos normativos em geral, conforme decisão no Procedimento de Controle Administrativo (PCA) 199 e no Pedido de Providências (PP) 7.000.
Pela decisão, ficam suspensas, cautelarmente, até o final do julgamento do MS, os efeitos das deliberações do CNJ na Consulta nº 004391-71.2013.2.00.0000 e no Procedimento de Controle Administrativo nº 0001634-70.2014.2.00.0000. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
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Clique aqui para ler a decisão do CNJ na consulta 0001634-70.2014.2.00.0000.
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Fonte: Conjur