Se uma entidade não recorreu quando devia, ela fica impedida de ir ao Superior Tribunal de Justiça com Recurso Especial. Essa foi a decisão unânime tomada pela 1ª Seção do STJ, que unificou a jurisprudência sobre o reexame necessário nos recursos envolvendo a Fazenda Pública.

Até então, havia divergência sobre a matéria entre as duas turmas especializadas que compõem a 1ª Seção. De um lado se entendia que, para fins de interposição de Recurso Especial, seria suficiente que a matéria infraconstitucional a ser contestada pela pessoa jurídica de direito público tivesse sido decidida pelo Tribunal de origem, ou por força de apelação cível ou em virtude do reexame necessário.

De outro lado, reconhecia-se ser inadmissível Recurso Especial contra acórdão proferido em sede de reexame necessário, quando ausente recurso voluntário do ente público, dada a ocorrência da preclusão lógica.

Diante da divergência, a 2ª Turma do STJ levou a matéria ao julgamento da 1ª Seção para definir uma orientação única para as duas Turmas. O Recurso Especial em questão, apresentado pela Fazenda, discute a decisão da Justiça Federal da 3ª Região que reconheceu a não-incidência de Imposto de Renda sobre indenização especial paga por mera liberalidade, férias vencidas e respectivo terço constitucional.

Para relatora do caso, ministra Eliana Calmon, sob o ponto de vista da moderna processualística, na qual se procura dar efetividade à garantia constitucional do acesso à Justiça, devem-se restringir os privilégios da Fazenda Pública por meio da harmonização dos institutos processuais criados em seu benefício, dos quais é exemplo o reexame necessário, com os demais valores constitucionalmente protegidos no âmbito do Direito Processual Civil. Segundo a ministra, principalmente diante do avanço tecnológico e da conseqüente estrutura material colocada à sua disposição nos dias atuais, contrariamente à que existia há alguns anos, função que cabe ao STJ.


A ministra ressalta que, devido a esses fatos e à impossibilidade de agravamento da condenação imposta à Fazenda Pública (diante do que dispõe a Súmula 45/STJ), “chega a ser incoerente e até mesmo de constitucionalidade duvidosa” a permissão de que os entes públicos rediscutam, em Recurso Especial, os fundamentos da sentença que não foi impugnada no momento processual oportuno, os quais foram mantidos em sede de reexame necessário pelo tribunal.

Nesse caso, acredita, deve ser reconhecida a preclusão lógica, regra que, segundo a doutrina, tem como razão de ser o respeito ao princípio da confiança que orienta a lealdade processual.
A relatora também concluiu que o argumento da entidade de que fraudes e conluios contra a Fazenda Pública podem ocorrer principalmente no primeiro grau de jurisdição, levando à não-impugnação da sentença no momento processual oportuno pelos procuradores em suas diversas esferas do Poder Executivo, por si só, não afasta a indispensável busca pela efetividade da tutela jurisdicional, que envolve maior interesse público e não se confunde com o interesse puramente patrimonial da União, dos estados, do Distrito Federal e de suas respectivas autarquias e fundações. Até porque, segundo a ministra Eliana Calmon, o ordenamento jurídico possui instrumentos próprios, inclusive na área penal, eficazes para a repressão de tais desvios de conduta dos funcionários públicos.

É irrelevante a Constituição Federal não distinguir entre a origem da causa decidida, se proveniente de reexame necessário ou não, “pois o recurso especial, como de regra os demais recursos de nosso sistema, deve preencher, também, os requisitos genéricos de admissibilidade que, como é cediço, não estão previstos constitucionalmente”. A ministra Eliana Calmon explica: a Carta Magna não exige, por exemplo, o preparo ou a tempestividade, e nem por isso se discute que o Recurso Especial deva preencher tais requisitos.

REsp 904.885

Fonte: Consultor Jurídico