Bruno Terra Dias*
Carlos Frederico Braga da Silva**
Faz parte do jogo democrático a renovação de discussões, especialmente em tempos de crise, na busca de novas fórmulas de equilíbrio da equação financeira dos gastos do Estado. Vivemos mais um desses momentos em que, sob tutela do argumento de responsabilidade fiscal, passam despercebidos valores e princípios, opções fundamentais registradas na história dos povos mais desenvolvidos da civilização ocidental. Problemas de economia, ética federativa e garantias democráticas misturam-se em um caleidoscópio político em que a história e a razão de ser das instituições são facilmente afastadas em favor de acomodações fortuitas. O tratamento dispensado aos subsídios da magistratura tem se revelado um caso típico.
Alexander Hamilton, um dos mais destacados redatores da Constituição Americana, escreveu, nos Federalist Papers (n. 79), que nada pode contribuir mais para a independência dos juízes do que uma provisão pecuniária fixa, para que eles suportem as suas despesas. Isso porque, no curso geral da natureza humana, o poder de fixar o salário de um homem equivale a dominar a sua vontade. Não basta apenas que sejam irredutíveis nominalmente os subsídios dos juízes; é necessário que haja correção periódica do poder de compra dos subsídios, determinando nossa Constituição de 1988 que tal ocorra anualmente (nesse ponto, dela se faz letra morta, pois o último reajuste, de 8,88%, foi implementado a partir de janeiro de 2006, acumulando-se, desde então, inflação não inferior a 30%).
A mais que bicentenária Constituição Americana é saudada por muitos como uma das explicações para que os Estados Unidos da América sejam a potência que todos conhecemos. A força e o vigor da democracia e da sociedade norte-americana, não se pode olvidar, têm como garantidor um Judiciário forte e independente. Em recente advertência, no julgamento do caso Boumediene v. Bush, 128 S. Ct. 2229, 2277 (2008), que tratava da ilegalidade das conhecidas prisões em Guantánamo, decidiu a Suprema Corte dos Estados Unidos que as leis e a Constituição são elaboradas para serem aplicadas, bem como para permanecerem vigentes, ainda que em tempos extraordinários.
Liberdade e segurança, princípios e valores, responsabilidade fiscal e dignidade dos subsídios podem ser conciliados. As opções políticas fundamentais inscritas na Constituição não devem ser afastadas ao jogo de planos de governo, mas planos de governo devem ser ajustados ao texto constitucional. A alegação de crise não é argumento válido a gerar um estado de exceção, com o intuito de afastar a inexorável incidência da Constituição. Uma democracia se destrói quando os dirigentes eleitos desconsideram as conquistas políticas do povo e buscam fazer prevalecer interesses pouco transparentes.
Confia-se que as autoridades contribuirão para o fortalecimento das instituições e trabalharão para o engrandecimento do Poder Judiciário, garantidor constitucional de nossa recente democracia. Defender a aplicação do estabelecido na Constituição é valorizar a democracia e concretizar o que já foi consagrado pelos representantes do povo brasileiro, que instituíram o sistema de subsídios e ordenaram a sua revisão anual.
*Presidente da Amagis
**Diretor de Direitos Humanos da Amagis
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