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Suprema Corte do Reino Unido completa quatro anos
01/10/2013 15h28 - Atualizado em 09/05/2018 15h50
A Suprema Corte do Reino Unido celebra seu quarto aniversário nesta terça-feira (1º/10). Há exatos quatro anos, quando o tribunal abriu suas portas pela primeira vez, ninguém sabia direito o que ia se tornar. Hoje, motivos para comemorar é o que não faltam. A corte conseguiu ser aceita pela comunidade jurídica, se tornou conhecida pela sociedade e, principalmente, conseguiu escapar da lentidão judicial, mal que acomete a Justiça pelo mundo.
O tribunal demora em média um ano para julgar um apelo, mas pode decidir uma questão em dois meses se ela for considerada urgente. A demora, normalmente, acontece por dificuldades em conciliar a agenda dos poucos advogados cadastrados para atuar na corte com os dias disponíveis do tribunal. A maioria dos processos é discutida pelos defensores perante os juízes por dois dias. Depois disso, a corte se recolhe e, pouco mais de dois meses depois, anuncia seu veredicto, que é definitivo e incontestável.
No último ano financeiro, que vai de 1º de abril de 2012 a 31 de março de 2013, foram julgados 77 casos. Daria uma média de mais de seis casos por mês se o tribunal funcionasse ininterruptamente, o que não acontece. A Suprema Corte fica fechada 79 dias por ano, entre feriados e recessos. Quando está funcionando, tem audiência de segunda a quinta-feira o dia inteiro. Sexta é dia de os juízes prepararem julgamentos e discutirem a portas fechadas.
A quantidade baixa de julgamentos, ao menos para os padrões brasileiros, se explica pelo papel do tribunal no Judiciário britânico. Não existe Constituição na Inglaterra, então a corte não tem função constitucional. Julga apenas os casos de repercussão nacional. São os juízes que decidem o que vão julgar, com base nos mesmos princípios que regem a chamada Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal no Brasil.
O dispositivo é aplicado com rigor pela Justiça britânica. Para se ter uma ideia, de abril a março deste ano, a corte recebeu 259 apelações. Dessas, decidiu julgar apenas 86. Todas as outras foram devolvidas para as instâncias inferiores e os processos foram considerados encerrados.
Entre os casos julgados ao longo do ano, o que mais teve repercussão dentro e fora do Reino Unido foi o processo de extradição para a Suécia do fundador do WikiLeaks, Julian Assange. As audiências e a leitura da decisão foram tão disputadas que o tribunal teve de restringir o acesso à sala de julgamento. Em maio de 2012, a corte decidiu pela extradição de Assange, que ainda hoje está asilado na Embaixada do Equador, em Londres.
Quebra de paradigma
Em 2009, quando a Suprema Corte nasceu oficialmente, a ideia de criar um tribunal de última instância para julgar as principais causas no país era considerada revolucionária. Em toda a história da Inglaterra, sempre foi o Parlamento o responsável por bater definitivamente o martelo nos processos judiciais. Ia ser a primeira vez que essa função sairia da alçada parlamentar para ser depositada na mão de um grupo de juízes especialmente escolhidos para a tarefa.
As dúvidas eram muitas, desde questões formais sobre como os novos juízes seriam chamados. Todos julgadores do Comitê de Apelações da House of Lords, o Senado britânico, possuíam o título de nobreza que dá nome à casa. Com a separação, esses lords deixaram de uma vez o Parlamento e carregaram consigo o título para a Suprema Corte. A questão era saber se, quando um novo juiz fosse escolhido para substituir um lord, esse juiz também seria chamado assim.
Parece trivial, mas o assunto foi alvo de extenso debate. Inicialmente, ficou decidido que os novos juízes, escolhidos entre a comunidade jurídica, seriam chamados de Justice, e não lords, já que não detinham qualquer título de nobreza. Pouco depois, entendeu-se que permitir a distinção na forma de tratamento poderia ser taxada de discriminação dentro da Suprema Corte. Hoje, todo juiz que é escolhido para ocupar uma das 12 cadeiras no tribunal é chamado de lord. Exceto se for mulher. Nesse caso, é lady, título até hoje só alcançado pela Lady Hale, a única mulher na Suprema Corte britânica.
Velho e novo
É a Suprema Corte que melhor representa o que é o Judiciário britânico: uma mistura de tradição com inovação. Exemplo bom disso aconteceu nesta terça, durante a celebração singela do quarto aniversário da corte e abertura pomposa do ano judiciário em todo o país. Vestidos com o traje de gala, uma toga preta com detalhes em dourado, os lords deram posse ao novo integrante da corte, Lord Hodge. Depois, seguiram a pé para a Abadia de Westminster, onde se juntaram ao grupo que assistiria a missa de abertura do ano judiciário.
Dia 1º de outubro é uma dessas ocasiões raras em Londres. É o único dia do ano em que um grupo de meia idade, formado principalmente por homens, pode ser visto caminhando perto do cartão postal da cidade, o Big Ben, cobertos por mantos pretos com detalhes lilás e perucas aloiradas. São os juízes mais experientes do país a caminho da missa, que é seguida do almoço no Parlamento que marca o início de um novo ano na Justiça.
A cerimônia acontece desde os tempos medievais. Pouco mudou. A grande diferença é que, antes, o grupo caminhava em procissão por cerca de três quilômetros — do bairro de Temple, considerado o centro jurídico da Inglaterra até o Parlamento. Hoje em dia, esse trajeto é feito de carro.
Na Suprema Corte, esse ritual medieval convive bem com as câmeras de vídeo instaladas nas salas de julgamento que permitem que qualquer pessoa com acesso à internet assista ao vivo as audiências. Ou mesmo acompanhe os trabalhos do tribunal pelo Twitter. Essa abertura, aliás, é o principal ganho com a separação do tribunal do Parlamento e, pelo menos por enquanto, alvo de muito orgulho e comemoração na corte.
Quem quer conhecer o tribunal por dentro pode, simplesmente, aparecer por lá e pedir para entrar, sem qualquer burocracia. Se as salas de julgamento não estiverem sendo usadas, pode entrar e fotografar. Se estiverem em uso, só as fotos ficam proibidas. Se quiser saber mais sobre a história da instituição, pode participar de um dos muitos tours guiados que são oferecidos em mais de uma língua (não tem em português). Depois da visita, pode ainda tomar um café dentro do tribunal e comprar uma souvenir para levar para casa. Contam os juízes que uma das lembranças que mais faz sucesso é um ursinho de pelúcia vestido com camisa e logo da corte.
Revista Consultor Jurídico, 1º de outubro de 2013