O anteprojeto de reforma da Lei Orgânica da Magistratura (Loman) caminha a passos largos no Supremo Tribunal Federal. Os ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito, que formam a comissão de reforma da lei, vêm se reunindo todas as sextas-feiras à tarde para acertar a redação do texto que se transformará no Estatuto da Magistratura. O novo estatuto vai substituir a atual Loman, a Lei Complementar 35/79, que faz, neste sábado (14/3) 30 anos de sua entrada em vigor.
Já se definiu que serão estabelecidos critérios mais objetivos e claros para a promoção de juízes e equiparadas as prerrogativas de magistrados às de membros do Ministério Público. Os ministros também estudam meios de fortalecer o papel das escolas da magistratura para melhorar o processo de seleção de novos juízes.Uma das preocupações da comissão é a de garantir o atendimento ininterrupto da Justiça. O relator do texto, ministro Ricardo Lewandowski, disse à revista Consultor Jurídico que a ideia é “encontrar uma solução que garanta a continuidade do serviço e não deixe lacunas na prestação jurisdicional”.
Nesse sentido, os ministros devem propor que nenhum magistrado possa se ausentar das sessões sem autorização da direção do tribunal, salvo por motivo de força maior.O trabalho é grande. Nas duas últimas sextas-feiras, os quatro ministros da comissão ficaram reunidos por cerca de três horas aperfeiçoando os pontos já definidos e estudando as sugestões das entidades de classe. Um dos pontos mais sensíveis do projeto é a criação de critérios que sejam, de fato, objetivos para as promoções.
Depois que a Emenda Constitucional 45, da reforma do Judiciário, obrigou que os votos nas promoções por merecimento fossem fundamentados e abertos, os favorecimentos indevidos caíram sensivelmente. Mas nem sempre os motivos, ainda que públicos, são fundados em critérios razoáveis como a formação intelectual do juiz ou o grau de eficiência da vara na qual atua — dados que devem ser levados em conta pela nova lei.Há pouco mais de dois anos, por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça anulou a promoção de juízes na Paraíba exatamente porque os desembargadores abusaram da subjetividade. Algumas justificativas para as escolhas eram risíveis. Um desembargador votou em determinada juíza porque, certa vez, ela foi elogiada por um ministro do Superior Tribunal de Justiça. Outro foi escolhido porque tomou posse no mesmo dia em que a imagem de Nossa Senhora chegou ao tribunal.
Para evitar a repetição de casos como esses é que ministros e juízes estudam criar critérios mais claros para os casos de promoção por merecimento. Nas sugestões entregues ao ministro Lewandowski há dez dias, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (Anamatra) propõem que a produção dos juízes seja levada em conta.
De acordo com o texto sugerido pelas entidades, “os dados estatísticos da planilha mensal dos feitos distribuídos, julgados e em andamento contemplarão as atividades desenvolvidas em sede de conhecimento e de execução, inclusive as de conciliação e de outros meios alternativos de solução de conflitos, e servirão como referência obrigatória na aferição do merecimento para fins de promoção e acesso na carreira”.As associações de classe sugerem que sejam comparados dados entre “unidades jurisdicionais análogas” para aferir o merecimento e levados em conta participação e aproveitamento dos juízes em cursos de aperfeiçoamento oferecidos pelas escolas de magistratura, além da publicação de trabalhos científicos na área jurídica.
Para o juiz Marco Antonio de Freitas, diretor de prerrogativas e assuntos jurídicos da Anamatra,sempre haverá certo grau de subjetividade para avaliar o merecimento, mas é preciso estabelecer alguns limites objetivos para evitar os desvios.Bandeiras de classeAs associações também reclamam participação dos juízes de primeira instância nos destinos do dinheiro do Judiciário. De acordo com o juiz Marcos Coelho de Salles, assessor da presidência da AMB, existe um fosso entre o primeiro e o segundo grau de jurisdição. “Nunca fui chamado a discutir orçamento do Poder Judiciário.
Os juízes têm de opinar sobre as questões administrativas, a prioridade de gastos e planejamento anual ou plurianual”, afirmou.Juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública de João Pessoa, Salles disse que as entidades propõem que haja previsão expressa no Estatuto da Magistratura para que a primeira instância participe da distribuição dos recursos financeiros. “Há destinação maior de recursos para o segundo grau, mas a pressão maior está na primeira instância.”
Freitas, da Anamatra, afirma que o objetivo não é o de dividir poder, mas sim permitir que o juiz, que tem uma visão melhor da primeira instância porque atua nas varas todos os dias, sugira ao tribunal que aloque os recursos ali ou acolá. “Desde a promulgação da Emenda 45, há um processo de democratização dos tribunais. A sugestão de dividir a gestão do orçamento vem para aperfeiçoar esse processo”, afirma o juiz trabalhista.
Marcos Coelho de Salles diz que o processo de democratização passa também pelas eleições para a direção dos tribunais. Ele defende que todos os desembargadores possam concorrer, não apenas os mais antigos. “O ideal é que houvesse a participação de todos os magistrados, inclusive os de primeira instância. Mas como esse ponto é constitucional, não pode ser modificado na lei orgânica.
Mas a lei pode prever, ao menos, que todos os desembargadores possam ser votados”, defende a AMB.Já que os juízes também não podem propor a extinção do quinto constitucional por meio de lei, sugeriram que o tempo de experiência do advogado e do membro do Ministério Público para o ingresso nos tribunais seja aumentado para 20 anos. Hoje, a Loman exige 10 anos de experiência.
“Esse é o primeiro passo para, ao menos, qualificar esse acesso lateral à magistratura. Mas nosso objetivo é extinguir o quinto”, afirma Salles. Na verdade, a exigência de 10 anos de experiência para os candidatos a desembargadores pelo quinto também está na Constituição. Porta legislativaDepois de escrita pela comissão do Supremo e aprovada pelo plenário da Corte, a proposta vai para o Congresso Nacional. O relator do texto, ministro Ricardo Lewandowski, acredita que isso será feito até o meio do ano. O fato de AMB e Anamatra terem entregado novas sugestões obrigou os ministros a refazer o plano de vôo.
“Mas estamos nos reunindo todas as semanas para conseguir chegar a um texto final antes do recesso”, disse Lewandowski.Ex-juiz federal, o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA) comemora o fato de a reforma da Loman estar andando e espera que ela chegue ao Congresso ainda este ano. Para Dino, o importante é que o projeto vá além de estabelecer direitos e deveres dos magistrados: “É preciso enxergar a lei pela ótica da responsabilidade do juiz, dividida em disciplina e eficiência”.O deputado afirma que o anteprojeto tem de fixar parâmetros gerais que permitam aferir o princípio da razoável duração do processo e enfrentar a questão da proporcionalidade entre juízes e habitantes. Flávio Dino também acredita que o texto deve regular as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, além daquelas já previstas na Constituição.
O ministro Lewandowski afirmou à ConJur que esse ponto é objeto de estudo da comissão. A comissão do STF também esperar fazer das escolas da magistratura centros ativos de formação e preparo dos juízes, especialmente dos recém-chegados.A Lei Orgânica da Magistratura completa 30 anos (Lei Complementar 35/79) neste sábado. Foi feita durante o regime militar.
A reforma em curso excluirá da lei os pontos que não foram recepcionados pela Constituição de 1988 e a adaptará à nova realidade prevista pela Emenda 45.Diversas regras já foram superadas pelo tempo, como a que proíbe juízes de dar entrevistas. Outras, pela exigência de transparência do novo arcabouço constitucional, como a que determinava que as sessões administrativas dos tribunais sempre fossem secretas. Ainda assim, a roupa nova é fundamental para trazer de uma vez o Judiciário aos novos tempos, onde seu papel é o de protagonista.
Fonte: Consultor Jurídico (por Rodrigo Haidar)