Ao julgar, nesta quarta-feira (4/9), os Embargos de Declaração de cinco dos réus da Ação Penal 470, o processo do mensalão, os ministros do Supremo Tribunal Federal debateram a possibilidade de usar os embargos para sanear vícios causados pela metodologia adotada no julgamento. Saiu ganhando o réu Breno Fischberg, ex-sócio da corretora de valores Bônus Banval, que teve sua pena reduzida de cinco anos e dez meses de reclusão para três anos e seis meses em regime aberto — o que deverá ser convertido ainda em pena restritiva de direitos, isto é, pagamento de multa e prestação de serviços comunitários.
A alteração da pena de Fischberg, a primeira redução desde o início do julgamento dos recursos, ocorreu com base em divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso, que argumentou que, no caso deste réu, uma contradição interna “objetiva” na metodologia de julgamento levou a um erro de cálculo em sua pena. Isso porque Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg eram sócios na corretora de valores e foram, assim, condenados pelo mesmo número de crimes (lavagem de dinheiro) e consideradas exatamente as mesmas circunstâncias judiciais.
Contudo, em virtude de, no primeiro caso, ter prevalecido o voto do revisor (ministro Ricardo Lewandowski), e no segundo, o do relator (ministro Joaquim Barbosa), Fischberg, apesar de ter cometido os mesmos crimes que seu então sócio, teve uma pena mais dura — sem que qualquer agravante lhe fosse imposto.
“Por se tratar dos mesmos fatos, em relação aos sócios da mesma empresa, não se pode sujeitar o condenado à aleatoriedade do tribunal”, disse o ministro Luís Roberto Barroso, ao votar. Barroso se manifestou depois do relator, ministro Joaquim Barbosa, que decidiu pela rejeição integral dos embargos interpostos pela defesa de Fischberg.
O voto de Barroso foi acolhido pela maioria dos ministros, ficando vencidos apenas, além de Barbosa, Luiz Fux e Rosa Weber. Inicialmente, Teori Zavascki havia votado com a minoria pela rejeição, mas acabou aderindo ao voto de Barroso e, em ato que surpreendeu os colegas, estendeu o entendimento para todos os casos de réus condenados por formação de quadrilha que já tiveram seus embargos julgados. Rosa Weber também acolheu a pretensão do recurso de Fischberg, mas acabou vencida porque entendeu que deveria se a correção deveria se dar via ordem de ofício, já que, segundo a ministra, Embargos Declaratórios não admitem uma revisão dessa natureza.
Teses distintas
Por trás do acolhimento dos embargos, ficaram elucidadas as diferenças de entendimento entre os ministros em uma série de aspectos envolvendo o julgamento. Primeiro, em relação à extensão das correções que podem ser feitas mediante Embargos Declaratórios, em segundo plano, em relação à metodologia adotada para se julgar a Ação Penal 470 e, por fim, sobre que casos podem ou não ser considerados como erros objetivos de decisão do colegiado.
Prevaleceu a tese do ministro Roberto Barroso, de que o caso de Fischberg e de João Cláudio Genú, ex-assessor do extinto PP, são exceções em que cabem sanear os vícios de julgamento por meio de Embargos Declaratórios. Para Barroso, então, apenas a situação desses dois réus podem ser alcançadas pelos embargos no que toca correções por critérios de proporcionalidade das penas.
Não foi o que entendeu o ministro Teori Zavascki. Ele disse que, até aquele momento, tinha votado sob um conceito mais restritivo de Embargos Declaratórios, mas que se o Plenário decidisse que esse tipo de recurso também consagra casos em que os réus tiveram penas diversas considerando as mesmas premissas fáticas, por uma “questão de consciência jurídica”, assumiria uma nova posição e reveria seus votos nos embargos referentes a todos os condenados por formação de quadrilha, nos moldes do que decidiu o ministro Ricardo Lewandowski.
Desse modo, Zavascki retificou seus votos para acolher, no que toca a discrepância das penas por quadrilha, os embargos das defesas de José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e dos ex-dirigentes do Banco Rural, Kátia Rabello e Roberto Salgado. “Esse entendimento do Plenário não corresponde com os votos que já fiz, sob um consenso mais restrito do que seja um vício formal de contradição”, disse o ministro. “Se adotarmos que esse tipo de contradição é sanável por meio de embargos, então teremos que revisar vários casos”, completou.
Coração da Constiuição
Barroso, no entanto insistiu que os casos de Genú e Fischberg eram distintos, tese que foi acompanhada pela maioria dos colegas, com exceção do ministro Ricardo Lewandowski, que já havia votado na direção acolhida hoje por Zavascki.
Lewandowski criticou abertamente os colegas por se apegarem a questões meramente processuais a fim de evitar demais correções no processo. Para o ministro, “independente da via escolhida, as correções devem ser feitas sob o risco de se vulnerar o próprio principio da isonomia, coração da Constituição”.
O ministro Luiz Fux disse, no entanto, que penas diferentes, em razão de ora prevalecer o voto do relator, ora do revisor, são condições naturais de um órgão colegiado. Para Fux, que votou pela rejeição dos embargos de Fischberg, a metodologia de julgamento não foi equivocada, mas, sim, é o embargante que queria rever sua pena à luz da de outro réu, o que fere o principio de individualização da pena. Para Fux, isso não é permitido ser revisado "nem em embargo e nem em sede de qualquer recurso”.
Ricardo Lewandowski voltou a insistir que a desproporção na fixação das penas por crime de quadrilha se deu apenas para evitar a ocorrência de prescrição em casos de condenações em até dois anos. “Houve, a meu ver, algo mais grave sobre quadrilha. Para evitar a prescrição, aumentou-se as penas dos réus, mesmo aqueles julgados sob as mesmas circunstancias, de forma absolutamente discrepante e dissonante”, disse. “É a liberdade dos réus que está em jogo. Se agora estão aparecendo os erros por conta da metodologia que escolhemos, é o réu quem vai pagar por isso?”, questionou Lewandowski.
O decano do tribunal, ministro Celso de Mello, contudo, votou no sentido do voto divergente de Luís Roberto Barroso, pelo entendimento da singularidade do caso de Fischberg, concordando que apenas no caso deste réu e de seu sócio se trata de um mesmo número de infrações e um mesmo contexto operacional. Em relação a Breno Fischberg, sequer incidem — apontou Celso de Mello — quaisquer circunstâncias “menos vantajosas” se comparado ao caso de Enivaldo Quadrado. “Há absoluta identidade de situação pessoal e objetiva. Houve, no entanto, essa evidente discrepância”, disse. O ministro defendeu ainda que, naquele caso, o meio processual adequado é, sim, os Embargos Declaratórios.
O ministro Gilmar Mendes chegou a propor que a correção fosse feita mediante concessão de ordem de ofício, para equiparar a pena de dois sócios, mas acabou aderindo à maioria ao acolher os embargos da defesa de Fischberg nesse ponto. A ministra Rosa Weber foi a única a votar nesse sentido.
Contudo, apesar da pena idêntica a de Enivaldo Quadrado (dois anos e quatro meses), os ministros optaram por não antecipar a conversão da prisão em regime aberto de Fischberg em pena alternativa, já que, ao contrário do primeiro, não foi feito esse pedido nos recursos pelos advogados.
“Estávamos absolutamente convictos de que os embargos seriam julgados procedentes. Até nos surpreendeu que a iniciativa de corrigir a contradição não partiu do próprio relator. Ele não reconheceu uma injustiça”, afirmou Guilherme Nostre, do Moraes Pitombo Advogados, um dos profissionais que representa Breno Fischberg. Para Nostre, os Embargos de Declaração não podem ser julgados da forma restritiva como vinha sendo feito. “Não se pode dar a esse recurso uma interpretação restritiva, reducionista, como ser servissem apenas para a correção de contradições formais”, disse.
O advogado sustenta que não se podem aceitar argumentos como os que foram ditos no plenário do Supremo, de que os embargos não são um meio adequado para se fazer justiça: “A decisão é emblemática para firmar a posição de que os embargos são, sim, elementos para se fazer justiça. É importante que, em casos como o do Breno, os embargos tenham inclusive efeito modificativo para servir de melhoria da prestação jurisdicional. O magistrado tem de reconhecer que é possível se conseguir a melhor distribuição de justiça por meio desse recurso. O fato não é uma vitória do Breno, é uma vitória do Direito”.
Novas vistas
Interrompido por conta do pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, o julgamento dos embargos de João Cláudio Genú voltou ao Plenário nesta quarta. Porém, depois do voto de Barroso, o ministro Luiz Fux foi quem pediu vista em mesa. Luís Roberto Barroso votou no sentido do que fora alegado pelo ministro Ricardo Lewandowski, de que Genú, apesar de seguir ordens, foi apenado com sanção mais grave do que os políticos do PP. Barroso lembrou que mesmo o relator, ministro Joaquim Barbosa reconheceu atenuantes no caso de Genú.
“Foi o único caso em que o intermediário ficou com a pena maior que o mandante”, disse Barroso ao votar por uma pena de prisão de quatro anos em regime judicial aberto, convertida automaticamente em restritiva de direito.
O presidente do Supremo insistiu, no entanto, que a discrepância se deu em razão da adoção de critérios diferentes em caso de crimes continuados. No caso de Genú, portanto, a pena foi estabelecida nos termos da continuidade delitiva, a partir da tabela adotada pelo tribunal no ano passado, sugerida pelo decano da corte, ministro Celso de Mello. O ministro Luiz Fux disse que trará seu voto nesta quinta (5/9) após avaliar melhor o caso.
O STF também julgou nesta quarta os embargos interpostos pela defesa dos réus João Paulo Cunha, Pedro Corrêa (ex-deputado federal do PP-PE) e Henrique Pizzolato (ex-diretor do Banco do Brasil).
Perda de mandato
Os ministros acolheram o pedido da defesa de João Paulo Cunha em relação a ausência de referência do valor a ser devolvido aos cofres públicos por conta do crime de peculato. Enquanto que, na peça de denúncia do Ministério Público, o valor referido era de cerca de R$ 536 mil, nas alegações finais foi citado mais de R$ 1 milhão. O presidente da corte entendeu que a omissão deveria ser resolvida no momento da execução da pena, mas a maioria dos ministros votou no sentido de o tribunal se manifestar pela pena mais baixa, o que não impede que o juízo de execução corrija o valor posteriormente.
Os ministros, a pedido dos advogados de Cunha, esclareceram que cabe, sim, ao Supremo a palavra final sobre a perda de mandato de réus condenados pela corte, cabendo ao Congresso Federal o mero anúncio da perda do mandato.
Os ministros rejeitaram também, por unanimidade, os embargos interpostos pela defesa de Pedro Corrêa e Henrique Pizzolato. Faltam agora apenas o julgamento dos recursos de João Claudio Genú e de Rogério Tolentino, ex-advogado de Marcos Valério.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 4 de setembro de 2013