O Tribunal de Justiça de São Paulo quer reestruturar a administração do Judiciário no estado. Em três projetos de lei enviados à Assembleia Legislativa do estado (Alesp), a Presidência do TJ propõe regionalizar a organização da Justiça para dar celeridade à prestação jurisdicional e ajudar na uniformização da jurisprudência da Justiça estadual. O tribunal pretende mudar a administração e jurisdição das execuções criminais, mudar a regionalização das varas e levar a jurisdição especializada ao interior e criar a carreira de juiz de colégio recursal.
A principal proposta é a criação do Departamento Estadual de Execuções Criminais. Está descrita no Projeto de Lei Complementar 9, enviado aos deputados estaduais em fevereiro deste ano. O objetivo é centralizar as execuções penais em um órgão especializado, com juízes experientes para a tarefa.
O motivo do projeto é a quantidade de execuções que tramitam no estado, a enorme população carcerária e frequente desencontro entre a distribuição e a estrutura das varas com a distribuição e o tamanho dos presídios. Segundo dados do Ministério da Justiça, no ano passado foram registrados 500 mil presos no Brasil. Desses, 195 mil estão em São Paulo.
Como a construção de presídios depende de iniciativa do Executivo e a de varas de execução, do Judiciário, ocorrem disparidades. Em Franco da Rocha, por exemplo, há 9 mil execuções em trâmite e apenas uma vara de execuções penais, segundo informações do tribunal.
Especialização no interior
Outra proposta enviada pelo TJ à Alesp é o Projeto de Lei Complementar 47, de dezembro do ano passado. O projeto estabelece que “o território do estado, para a administração da Justiça, divide-se em regiões, circunscrições, comarcas e foros regionais e distritais, constituindo, porém, um só todo para os efeitos da jurisdição do Tribunal de Justiça”.
A ideia é estabelecer regiões judiciárias com maior abrangência que as comarcas hoje existentes. Pelo projeto, essas regiões serão compostas por varas especializadas para dar conta da demanda de cada região, a partir dos estudos qualitativos e quantitativos do TJ. A abrangência de cada região e a competência de cada vara regional, pelo que diz a proposta, serão definidas pelo Órgão Especial, o órgão de cúpula do TJ de São Paulo.
De acordo com o texto, as especializações poderão ser em matéria agrária e ambiental; interesses difusos e coletivos do consumidor; execuções fiscais, contra a Fazenda e tributária; falência, recuperação judicial, crimes falimentares e direito empresarial; e registros públicos. O projeto já estabelece a criação de 80 varas classificadas como de entrância final (último estágio da carreira do juiz antes de ser promovido a desembargador). A competência das novas varas ficaria a cargo de resolução do TJ.
Nova carreira
O TJ também quer reestruturar os colégios recursais, um colegiado que funciona como segunda instância aos juizados especiais. A ideia, descrita no Projeto de Lei Complementar 7, é criar a carreira de juiz membro de Colégio Recursal.
Hoje, o cargo é acumulado por juízes de entrância final. O que o TJ pretende fazer é criar um Colégio Recursal, que será composto por Grupos Regionais de Turmas Recursais. Cada turma recursal será composta de três a cinco juízes, de entrância final, dos quais dois serão suplentes. Os julgamentos seguirão os mesmos padrões do TJ: um relator, um revisor e um terceiro vogal.
O projeto cria, no estado, dez Grupos Regionais de Turmas Recursais e 20 Turmas Recursais. Para ocupar as vagas, também são criados 100 cargos de juiz de entrância final especificamente para as turmas. É a criação de uma carreira específica. Esse novo sistema de juizados especiais também prevê a criação de uma Turma de Uniformização de jurisprudência, que será composta por um desembargador e um juiz de Turma Recursal de cada uma das turmas dos grupos regionais.
Juiz natural
De todos os projetos, o único que já nasceu sob reclamações foi o de criação do Departamento de Execuções Criminais. Em ação conjunta, a OAB de São Paulo, a Associação Paulista do Ministério Público (APMP) e a Associação dos Juízes pela Democracia (AJD) falam que o projeto é inconstitucional por violar o princípio do juiz natural e um “retrocesso” na luta pela melhora nas execuções penais.
Segundo o juiz José Henrique Rodrigues Torres, titular da 1ª Vara do Júri de Campinas e membro da AJD, a ideia é arbitrária e antidemocrática. Ele reclama da previsão de que os juízes membros do departamento serão nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura, colegiado que reúne a direção do TJ, depois de indicação do presidente do tribunal. Afirma que o departamento previsto no projeto é uma unidade de prestação jurisdicional, e não de administração judiciária. Por isso, diz ele, os cargos devem ser providos por meio de concurso, e não de indicação do Conselho Superior.
“O projeto cria um departamento sem cargo, sem classificação, sem nada, mas na verdade é uma unidade de prestação jurisdicional, pois será composto por juízes que decidirão em matéria de execução. Não importa se o nome é departamento ou vara. Se jurisdiciona, tem de haver concurso, e não indicação do presidente e nomeação pelo Conselho Superior”, afirma.
Mutirão carcerário
Mas a crítica é rebatida pelo TJ com um exemplo prático: se o novo departamento violasse o princípio do juiz natural por ter juízes indicados e nomeados, todos os mutirões carcerários do Conselho Nacional de Justiça seriam inconstitucionais. Os mutirões são programas do CNJ que vão aos tribunais verificar as condições dos cumprimentos de penas e fiscalizar se os benefícios estão sendo concedidos e se as execuções vêm sendo acompanhadas pelo Judiciário.
No Brasil, juízes indicados pelo CNJ para o mutirão analisaram mais de 400 mil processos de execução penal e libertaram 36 mil pessoas que estavam presas irregularmente. Também foram concedidos mais de 70 mil benefícios. Em São Paulo, em 2010, foram 2,3 mil pessoas liberadas porque já haviam cumprido suas penas, mas continuavam presas.
Volta à centralização
José Henrique Torres também reclama da ideia de centralização da execução. Ele conta que justamente a descentralização foi “uma grande conquista depois de muitos anos de luta”, pois antes tudo era decidido na capital. “Foi uma vitória para as famílias dos presos, que agora conseguem fiscalizar a situação de seus parentes mais facilmente. O Ministério Público também se organizou em torno disso, e os advogados ganharam porque deixaram de ter de se deslocar tanto toda vez que precisassem ir até a vara de execuções”, lembra Torres.
Mas o juiz Rodrigo Capez, assessor da presidência do TJ, discorda da visão da AJD. Ele afirma que, com a centralização, vai ser possível administrar as execuções criminais de forma mais racional e isonômica. “O grande benefício é a uniformização do entendimento e a celeridade da prestação jurisdicional. Um departamento central possibilita a racionalidade do serviço judiciário. A pulverização é ruim, porque cada juiz decide de um jeito. Centralizando é possível ter um trabalho mais isonômico”, analisa.
Fonte: Conjur