O Auditório do Tribunal Pleno do Edifício-Sede do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) silenciou, na manhã desta segunda-feira, 26 de novembro, para escutar o relato de Lidiane Chagas. Sobrevivente de uma tentativa de feminicídio, quando tinha 17 anos, ela acabou ficando tetraplégica, porque um dos tiros que o ex-namorado disparou contra ela, seis meses após o término do relacionamento entre eles, atingiu sua coluna cervical, mudando radicalmente sua vida. A aparente fragilidade da jovem, em uma cadeira de rodas, desfez-se rapidamente quando lhe foi dada voz. Ali, aos olhos dos presentes, surgiu uma mulher forte e corajosa, disposta a transformar o luto, diante das perdas que a tragédia lhe impôs, em luta contra a violência à mulher.

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Com um testemunho que comoveu a plateia, Lidiane, hoje com 31 anos, contou que começou a namorar o agressor quanto tinha pouco mais de 14 anos de idade: um rapaz que frequentou a casa dela, conheceu a família da então adolescente e parecia, acima de qualquer suspeita, até o término do namoro, revelar uma outra face da personalidade dele. “Hoje, penso que atitude, justiça e sensibilidade não têm sexo. Nós, mulheres, somos fortes; vocês, homens, são fortes. Essa força, em prol de um propósito único, pode se multiplicar. Precisamos nos unir na luta contra a violência à mulher. Eu poderia ficar em casa, lamentando o que aconteceu comigo. Mas decidi que quero cursar Direito, colocar minha vida ao dispor do outro, ajudar a fazer justiça”, afirmou.

O testemunho de Lidiane Chagas marcou a abertura da 12ª Semana Justiça pela Paz em Casa no Judiciário mineiro. A iniciativa busca agilizar a resposta da Justiça a esses e outros crimes de violência doméstica e familiar, e se estende até o próximo dia 30 de novembro. Trata-se de uma grande mobilização nacional, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com os tribunais de justiça estaduais, para aprimorar a prestação jurisdicional para esses casos, ampliando a efetividade da Lei Maria da Penha. Pelas diversas comarcas de Minas, será realizado um esforço concentrado para ampliar, nesta semana, o número de júris e de audiências relacionadas à violência contra a mulher.

Mobilização permanente

Ao discursar, na abertura da solenidade, o presidente do TJMG, desembargador Nelson Missias de Morais, ressaltou, entre outros pontos, que, desde a criação Lei Maria da Penha, houve muita evolução na questão do combate à violência contra a mulher, mas as estatísticas ainda revelam números pouco animadores. “Relatório do Centro Integrado de Informações de Defesa Social de Minas Gerais, por exemplo, relativo ao primeiro semestre de 2015, nos indica que, naquele semestre, havia 63.062 registros de violência doméstica e familiar contra mulheres em Minas”, conta.

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De acordo com o presidente, dados do Sistema de Dados do Judiciário (Sijud) também mostram números preocupantes. Em Minas, até outubro último, “foram distribuídos 86.412 feitos, concedidas 19.593 medidas protetivas, abertos 77.883 procedimentos investigatórios, e havia um acervo de 63.391 ações penais em andamento, de um total de 190.210 ações de alguma forma relacionadas com a violência contra a mulher”, afirmou. São números, destacou, “assustadores”, que exigem vigilância incansável em relação à questão e uma mobilização permanente.

“Felizmente, nossas comarcas mineiras já têm dado bons exemplos nesse sentido”, indicou, citando exemplos em Turmalina, Januária, e Itaúna. “Há registros de iniciativas criativas também em cidades como Nanuque, Jequitinhonha, Guanhães e Carmo de Minas, e certamente em muitas outras, e são todas elas que nos fazem acreditar que é possível, se não acabar, pelo menos reduzir drasticamente as estatísticas da violência contra as mulheres.” O presidente destacou ainda o fato de o TJMG ter criado a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), há sete anos, com foco “no fomento e desenvolvimento de estratégias de redução da discriminação de gênero e das várias formas de agressão contra mulheres”.

Ao final de sua fala, o presidente Nelson Missias dirigiu algumas palavras diretamente à Lidiane Chagas, a vítima cujo relato abre esta matéria. “Você nos deu hoje um grande lição de vida e de esperança, para que continuemos firmes na luta por essa causa. Uma pessoa que não se fez calar diante brutalidade que sofreu. Com sua inteligência, sua força e sua capacidade de falar, você tem muito a fazer em prol dessa causa. A partir de hoje, você será um símbolo dessa luta para nós”, declarou.

Iniciativas de juízes

A desembargadora Alice Birchal, superintendente da Comsiv, indicou várias ações que estão sendo realizadas em todo o estado, pelas diversas comarcas, em prol da luta contra a violência doméstica e familiar, destacando juízes que têm empreendido iniciativas nesse sentido. Entre eles, o juiz Marcelo Gonçalves de Pauta, da 2º Juizado de Violência de Belo Horizonte, com o projeto “Audiência de Fortalecimento”; a juíza Roberta Chaves Soares, do 4º Juizado de Violência de Belo Horizonte, com a “Sala de Acolhimento” para vítimas de violência, e a juíza Bárbara Lívio, da 2ª Vara Criminal de Januária, com o projeto “Diálogos em Foco”.

Entre outras ações de destaque, ela listou ainda iniciativas da juíza Beatriz Auxiliadora Machado, da 2ª Vara de Caratinga, atualmente na comarca de Timóteo, com o projeto “Oficinas de Reflexão e Acolhimento para Agressores e Vítimas de Violência Doméstica”; a juíza Cibele Mourão Barroso de Figueiredo Oliveira, da 2ª Vara Criminal de Itabira, com o projeto “Itabira por Eles: Grupo Reflexivo para Homens Autores de Violência Doméstica”; o juiz Leonardo Guimarães Moreira, da Vara Criminal de Campo Belo, e a juíza Daniela Cunha Pereira, da 2ª Vara Criminal de Ibirité, com o projeto “Diálogo nas Escolas”. A superintendente da Comsiv falou ainda sobre a programação da semana na capital e nas diversas comarcas mineiras.

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Como parte da solenidade, Célio Albino Corrêa deu também seu testemunho, contando sobre sua experiência positiva com o Instituto Albam, por meio do qual teve oportunidade de participar de grupos reflexivos. “Hoje tenho outra mentalidade e até dou conselhos para outros homens”, afirmou. O Instituto Albam é uma organização não governamental pioneira no desenvolvimento de grupos reflexivos com homens autores de violência de gênero e mulheres em situação de violência e atua em parceria com o Judiciário e a Secretaria de Defesa Social do Estado de Minas Gerais (Seds).

Além disso, a abertura do evento contou com a participação de uma representante da rede de enfrentamento à violência contra a mulher. Elizabeth Fleury, do movimento “Quem ama não mata”, propôs uma reflexão em torno do pensamento do filósofo e do sociólogo francês Émile Durkheim, cujas ideias se debruçaram sobre a estrutura das relações sociais e a ideia de consciência moral. “Quando nos deparamos com a violência crescente, percebemos a fragilização dos laços sociais, que ofendem a solidariedade entre as pessoas. O crime provoca ruptura dos elos da sociedade. Precisamos refletir sobre isso”, afirmou.

A solenidade contou também com a performance “Amar é Também um Ato de Resistência”, com a atriz Letícia Cristina Lages Vieira, do grupo Todo Cultura Produções.

Compuseram a mesa de honra as seguintes autoridades: o presidente do TJMG, desembargador Nelson Missias de Morais; o corregedor-geral de justiça, desembargador Saldanha da Fonseca; a desembargadora Alice Birchal; o superintendente administrativo adjunto do TJMG, desembargador Gilson Soares Lemes; a desembargadora Maria Luíza de Marilac; a chefe de gabinete da Defensoria Pública de Minas, Raquel Gomes de Souza da Costa; a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputada Marília Campos; a chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, Idoso, Pessoa com Deficiência e Crimes de Intolerância, delegada Danúbia Quadros; a comandante da Companhia Independente de Prevenção à Violência Doméstica da Polícia Militar de Minas Gerais, Major Cleide Barcelos; a titular da Promotoria de Justiça Especializada no Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, promotora de Justiça Patrícia Habkouk, e a vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Minas), Helena Delamonica.

Programação

Além do impulsionamento na realização de audiências e júris relacionados à violência contra a mulher, o Judiciário mineiro, por ocasião da 12ª Semana Justiça pela Paz em Casa, programou uma série de atividades para os próximos dias, que incluem exibição de filme, apresentação de teatro, palestras, exposição de arte, campanha em ônibus da capital e em bares e restaurantes de Minas Gerais, entre outras ações.

Confira matéria com a programação completa da 12ª Semana Justiça pela Paz em Casa aqui.

Histórico do programa

Iniciado em março de 2015, o Justiça pela Paz em Casa conta com três edições de esforços concentrados anuais. As semanas ocorrem em março, marcando o dia das mulheres; em agosto, por ocasião do aniversário de sanção da Lei Maria da Penha, e em novembro, quando a ONU estabeleceu o dia 25 como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher.

O empenho nacional para julgar casos de violência doméstica contra as mulheres foi idealizado pela ministra Cármen Lúcia, quando ela presidia o CNJ, e hoje faz parte da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. O programa também promove ações interdisciplinares organizadas que objetivam dar visibilidade ao assunto e sensibilizar a sociedade para a realidade violenta que muitas mulheres brasileiras enfrentam.

Fonte: Assessoria de Comunicação Institucional do TJMG