De tudo o que caiu na conta dos magistrados do Tribunal de Justiça de São Paulo em 2013, 47,2% vêm de uma rubrica denominada pela Corte de "vantagens eventuais". Na prática, juizes e desembargadores receberam no primeiro semestre, em média, um salário a mais por mês com essas vantagens. Nesse período, elas corresponderam a desembolso de R$ 213,3 milhões. Os rendimentos líquidos dos magistrados somaram R$ 451,6 milhões.

A folha de pagamento do TJSP revela que há casos de juizes que receberam como "vantagens eventuais" valores que chegam a quase quatro vezes o teto constitucional, que é de R$ 25,3 mil. Um desembargador recebeu em maio R$ 94,7 mil em vantagens - na conta dele caíram R$ 117,1 mil líquidos.

Vantagens eventuais contemplam extenso rol de situações e circunstâncias - previstas em lei, destaca o TJ, a saber: abono constitucional de um terço de férias, indenização e antecipação de férias, gratificação natalina, antecipação de gratificação natalina, serviço extraordinário, substituição, pagamentos retroativos e Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), dispositivo endossado pelo Supremo Tribunal Federal que nivela os vencimentos do Judiciário com os do Legislativo.

Ainda sob o abrigo do guarda-chuva de rubricas e nomenclaturas estão verbas concedidas com base na Lei Federal 10474/02 que dispõe sobre remuneração da magistratura da União -, "já pagos na esfera federal" e "outras desta natureza". Muitos pagamentos individuais vão além do limite do teto constitucional quase todos os meses. O contracheque passa ileso do corte porque os valores extraordinários, que estufam holerites, são relativos a benefícios devidos, mas atrasados e acumulados.

"O teto não abrange 13º salário, férias e indenizações passadas", afirma o desembargador Henrique Nélson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

Embora sejam "eventuais", as vantagens foram pagas nos seis meses do ano, o que elevou a R$ 213,3 milhões o desembolso relativo a esse item. Os rendimentos líquidos de juizes e desembargadores somaram R$ 451,6 milhões. O volume global de créditos, sem os descontos em folha, ultrapassou a casa do meio bilhão de reais - R$ 579,7 milhões, precisamente.

As informações sobre o contra-cheque da toga estão no portal do tribunal paulista, tornadas públicas na gestão do presidente da Corte, Ivan Sartori, em obediência à resolução do Conselho Nacional de Justiça.

Maio bateu o recorde. Desembolsos a muitos juizes quintuplicaram. O total de créditos foi a R$ 165,9 milhões, dos quais RS 144,5 milhões de rendimento líquido - com descontos do imposto na fonte e previdência pública. Em vantagens eventuais, o pagamento atingiu R$ 104,9 milhões, ante R$ 21,9 milhões em abril.

Auxílios. Ainda em maio foram pagos RS 2,57 milhões em vantagens pessoais, que alojam adicional por tempo de serviço, quintos, décimos e verbas decorrentes de sentença judicial ou extensão administrativa, mais "abono de permanência" - quando o magistrado já tem tempo para se aposentar, mas fica na ativa. Juizes receberam, ainda, R$ 244 milhões em indenizações, fieira de sete auxílios: alimentação, transporte, pré-escolar, saúde, natalidade, moradia e ajuda de custo, "além de outras desta natureza".

"Não há nada de ilegal, nem de imoral nos pagamentos", atesta Calandra. "As vantagens eventuais têm que ser pagas. A magistratura tem direito, assim como recebeu valor elevado o ministro Joaquim Barbosa (presidente do STF), inclusive pelo tempo em que exerceu a função de procurador da República."

Desembargador do TJ-SP, Calandra é taxativo. "As vantagens não são pagas muitas vezes por falta de verbas, muitas vezes por falta de vontade política. Todos esses pagamentos são discutidos e auditados."

O desembargador Renato Sartorelli esclareceu que o acréscimo em maio diz respeito a antecipação do 13º salário (70% por causa de seu aniversário), antecipação de férias e abono de permanência. "Em junho voltou ao normal. Nunca pedi antecipação de indenização, embora tenha créditos a receber em razão do largo tempo de serviço."

'Valores podem variar ao longo dos meses', afirma Corte

O Tribunal de Justiça informou que o teto remuneratório constitucional e o subsídio mensal de seus magistrados são aplicados de acordo com a Resolução 13/06, do Conselho Nacional de Justiça. Os dados sobre pagamentos constam do Portal Transparência da Corte. "Os valores e remunerações dos magistrados podem variar ao longo dos meses", diz o TJ.

Essa variação ocorre em virtude de eventuais pagamentos de valores relativos a 1/3 constitucional de férias, indenização de férias, antecipação de 13º salário, 13º salário, pagamentos retroativos de diferenças salariais, como a Lei Federal 10.474/02 e a Parcela Autônoma de Equivalência, já pagas na esfera federal, aglutinados nas "vantagens eventuais".

Segundo o TJ, quase R$ 2 bilhões são devidos à toga. "Os pagamentos retroativos, efetuados mensal e isonomicamente a todos os magistrados, são oriundos do passivo, atualmente de R$ 1,8 bilhão."

As fontes dos recursos são o Tesouro e o Fundo Especial de Despesa do TJ. Sobre os magistrados citados pela reportagem, o TJ esclareceu: "Foram creditados valores referentes a verbas trabalhistas, de acordo com a legislação em vigência, assim como pagamentos previstos na Resolução 568/12, tais como enfermidade e aposentadoria".

O desembargador Luís Antônio Ganzerla, que ostenta longa história de dedicação à toga, informou que, pela primeira vez, recebeu valor a maior R$ 40 mil em relação aos outros. Esclareceu que esse valor é decorrente de solicitação atendida de adiantamento de créditos que possui junto à Corte, em razão de necessidade de cirurgia.

"O adiantamento foi efetuado dentro das regras rígidas estabelecidas pela resolução 568/2012", assinala Ganzerla. Ele enviou ao Estado papéis que comprovam todas as despesas médicas e hospitalares.

O juiz Alfredo Attiê acredita que existe "algum equívoco" na menção a seu nome. "Não recebi o valor líquido de R$ 87 mil, em maio, nem em nenhum outro mês. Único pagamento superior ao de meus vencimentos mensais somente pode ter ocorrido em junho, quando requeri o pagamento de dias de licença prêmio vencida, além de metade do 13º salário, por ser mês de meu aniversário. Em julho obtive 20 dias de férias, que estou usando para minhas pesquisas acadêmicas e de aperfeiçoamento profissional, além de ter colaborado de modo voluntário com a Escola da Magistratura."

O desembargador Renato Sartorelli, da Seção de Direito Privado, prestigiado entre seus pares, com 38 anos de carreira, destacou que recebeu verbas "rigorosamente idênticas àquelas recebidas mensalmente pelos demais desembargadores, respeitadas evidentemente as vantagens pessoais".