Por José Martinho Nunnes Coelho, juiz aposentado e diretor-tesoureiro da Amagis.
Um colega e amigo relatou-me que determinado Vereador do Município X, em pleno exercício do mandado legislativo, fora condenado ao cumprimento de penas de reclusão e multa, pela prática de crimes tipificados no artigo 129, parágrafo 6º, do Código Penal, e artigo 12 da Lei 10.826/96, com a pena privativa de liberdade sendo substituída por duas restritivas de direitos.
Coloca-me a dúvida sobre as consequências políticas e eleitorais da condenação: há perda do mandato? Torna-se inelegível, a partir de quando e por quanto tempo?
Instigado pelo colega e amigo, fiz um breve estudo a respeito da perda de mandato e da causa de inelegibilidade decorrente de condenação criminal, tomando como base a Constituição da República/1988 e a Lei Complementar 64/1990, demonstrando que toda condenação criminal leva à perda do mandato parlamentar, mas que nem toda condenação criminal tem como consequência a inelegibilidade.
O parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição da República reservou à Lei Complementar a possibilidade e considerar outras causas de inelegibilidade, além daquelas indicadas no próprio texto constitucional. Condicionou, entretanto, a estipulação dessas outras causas de inelegibilidade, a que tivessem por escopo proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e resguardar a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
A lei editada em obediência ao parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição da República é a Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, também conhecida como “Lei das Inelegibilidades”.
O artigo 1º, I, “e”, dessa lei, com a redação que lhe deu a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), considera inelegíveis para todos os cargos:
"...e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8(oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
3. contra o meio ambiente e a saúde pública;
4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;
5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;
6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;
7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;
8. de redução à condição análoga à de escravo;
9. contra a vida e a dignidade sexual; e
10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;..."
A causa de inelegibilidade aqui transcrita constitui um plus em relação à suspensão dos direitos políticos, imposta pelo artigo 15, III, da Constituição da República, a todo aquele que sofre condenação criminal, enquanto durarem os respectivos efeitos, qualquer que tenha sido a infração penal cometida.
Não se pode perder de vista que os direitos políticos compreendem, de um lado, o direito de votar e, de outro, o de ser votado. Ambos os direitos ficam suspensos, em caso de condenação criminal, por qualquer espécie de infração penal, enquanto durarem os respectivos efeitos.
No que diz respeito à causa de inelegibilidade do artigo 1º, I, “e”, da Lei Complementar 64/90, apenas o direito de ser votado fica suspenso, pelo prazo de mais oito anos, após o cumprimento da pena, para os autores de crimes da natureza daqueles mencionados no dispositivo.
Dos dispositivos legais acima indicados, extraí-se que, durante o cumprimento da pena, ou enquanto este não tiver sido iniciado, mas este ainda puder ser imposto ao sentenciado, estará ele com seus direitos suspensos. Não pode votar, nem ser votado. Cumprida a pena, extinta a punibilidade pelo cumprimento, recupera o direito de votar. Continua, entretanto, sem poder ser votado, i.é, inelegível, por mais oito anos, após o término do referido cumprimento, se cuidar de crimes dentre aqueles referidos pelo artigo 1º, I, “e”, da Lei Complementar 64/90.
Na hipótese colocada, de condenação por crimes de lesões corporais culposas e porte ilegal de arma, não incide a inelegibilidade do artigo 1º, I, “e”, da Lei Complementar 64/90. Cumpridas as penas impostas, o condenado recupera a plenitude de seus direitos políticos, podendo votar e ser votado.
Agora, no que diz respeito ao mandato eletivo, transitando em julgado a sentença condenatória,
“A perda do mandato parlamentar, no caso em pauta, deriva do preceito constitucional que impõe a suspensão ou a cassação dos direitos políticos. Questão de ordem resolvida no sentido de que, determinada a suspensão dos direitos políticos, a suspensão ou a perda do cargo são medidas decorrentes do julgado e imediatamente exequíveis após o trânsito em julgado da condenação criminal, sendo desimportante para a conclusão o exercício ou não de cargo eletivo no momento do julgamento.” (AP 396-QO, rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 26-6-2013, Plenário, DJE de 4-10-2013.) No mesmo sentido: AP 470, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-12-2012, Plenário, DJE de 22-4-2013.
"Perda dos direitos políticos: consequência da existência da coisa julgada. A Câmara de Vereadores não tem competência para iniciar e decidir sobre a perda de mandato de prefeito eleito. Basta uma comunicação à Câmara de Vereadores, extraída nos autos do processo criminal. Recebida a comunicação, o presidente da Câmara de Vereadores, de imediato, declarará a extinção do mandato do prefeito, assumindo o cargo o vice-prefeito, salvo se, por outro motivo, não possa exercer a função. Não cabe ao presidente da Câmara de Vereadores outra conduta senão a declaração da extinção do mandato.” (RE 225.019, Rel. Min. Nelson Jobim, julgamento em 8-9-1999, Plenário, DJ de 26-11-1999.)
“A norma inscrita no art. 15, III, da Constituição reveste-se de autoaplicabilidade, independendo, para efeito de sua imediata incidência, de qualquer ato de intermediação legislativa. Essa circunstância legitima as decisões da Justiça Eleitoral que declaram aplicável, nos casos de condenação penal irrecorrível, e enquanto durarem os seus efeitos, como ocorre na vigência do período de prova dosursis, a sanção constitucional concernente à privação de direitos políticos do sentenciado. Precedente: RE 179.502-SP (Pleno).” (RMS 22.470-AgR, Rel. Min.Celso de Mello, julgamento em 11-6-1996, Primeira Turma, DJ de 27-9-1996.)Vide: RE 577.012-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 25-3-2011.
As transcrições acima não deixam dúvidas de que os Tribunais Superiores entendem que a sentença penal condenatória transitada em julgado determina a imediata perda ou extinção do mandato. Recebendo a comunicação da condenação transitada em julgado, o Presidente da Casa Legislativa (Câmara de Vereadores, Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados, Senado) deve, de imediato, declarar a perda do mandato eletivo e convocar o suplente ou o substituto imediato. É inevitável.
Considerando o acima exposto, concluo sustentando que: a) com a sentença penal condenatória transitando em julgado, há suspensão imediata dos direitos políticos (não pode votar ou ser votado, enquanto durarem os efeitos da condenação) e, em consequência, o condenado criminalmente deverá ter declarada a perda do mandato, considerando o disposto no art. 15, III, da Constituição da República; b) cumpridas as penas impostas, extinta a punibilidade pelo cumprimento, o condenado recupera seus direitos políticos (direitos de votar e ser votado), tornando-se elegível; continua, entretanto, sem poder ser votado, i.é, inelegível, por mais oito anos, após o término do referido cumprimento, se cuidar de crimes dentre aqueles referidos pelo art. 1º, I, “e”, da Lei Complementar 64/90.