dsc_0066_editada.jpgProjeto criado e mantido pela magistratura mineira muda a realidade de comunidade carente de BH

Os mais céticos duvidariam, com certeza, de que pudesse ser realizado o sonho da jovem Graziane Lúcia dos Santos, ex-aluna do Núcleo de Trabalho e Integração Social (Nutris) e moradora do bairro Mariano de Abreu (Leste de Belo Horizonte), uma das regiões mais carentes da capital mineira. “Graças à base que recebi no Nutris, hoje, estou fazendo faculdade e, se Deus quiser, vou me formar”, afirma Graziane.

Aos 22 anos, ela é técnica em nutrição pelo Senac, cursa o primeiro período da Faculdade de Educação Física da PUC Minas, trabalha no projeto “Criança Esperança”, da Rede Globo, é voluntária no projeto “Escola Aberta” e, sempre que possível, visita o Nutris por onde passaram também seus irmãos - Graziele, 19, Alberto, 16, e onde está o mais novo Arthur, 10, que é aluno do Núcleo de Arte Cultura Desembargador Márcio Sollero (NAC), uma extensão do Nutris. Ambos os projetos são mantidos com recursos e gestão dos magistrados mineiros.

No Núcleo, são atendidas aproximadamente 200 crianças e adolescentes, das 7 horas às 17 horas, período em que recebem alimentação, atendimento médico e participam de atividades educacionais, psicopedagógicas e psicomotoras, sempre com o acompanhamento das famílias. As unidades do Nutris e do NAC disponibilizam para as crianças e os adolescentes, além das salas de aula, biblioteca, berçário, refeitório, sala de música, brinquedoteca, duas piscinas, parque, campo de futebol, salão para atividades culturais, sala de informática e oficinas profissionalizantes.

Atuação social da magistratura

O projeto, idealizado pela pensionista Lucinda Alvarez de Oliveira Leite, é mantido com uma renda fixa de cerca de R$ 18 mil mensais – obtidos por meio de desconto na folha de pagamento dos magistrados, cuja contribuição é fixada pelos próprios juízes e desembargadores –, e complementado com valores arrecadados em atividades beneficentes promovidas pela Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis). Eventualmente, alguns magistrados também determinam que as penas de algumas sentenças sejam revertidas em doações para o Nutris. “É a magistratura em sua atuação social, formando crianças para que possam efetivamente exercer a cidadania”, destaca o presidente da Amagis, juiz Nelson Missias de Morais.

Desafio cotidiano

Acolhida na creche do Nutris aos três anos, Graziane recorda-se com carinho dos sete anos de vivência no Núcleo. Saudosa, conta que sua alfabetização aconteceu na instituição e lembra-se das aulas nas quais aprendeu a diferença entre as formas geométricas. Assim como outras famílias de trabalhadores do bairro Mariano de Abreu, os pais de Graziane, Vanda Lúcia da Rocha e Alberto Carlos dos Santos (falecido há 10 anos), vislumbraram, à época, na entidade a possibilidade de garantir o sustento da família, deixando os filhos em segurança e protegidos da criminalidade, que, só em Belo Horizonte, matou 462 pessoas nos primeiros seis meses deste ano (a maioria de jovens menores de 24 anos), conforme informações da Secretaria de Estado de Defesa Social.

Na faculdade, como tanto desejava, Graziane ainda tem grandes desafios pela frente. Com o auxílio de R$ 300 do “Criança Esperança”, ela custeia parte de suas despesas com educação, incluindo os quatro ônibus diários para se locomover até a faculdade. Essa, porém, não é a principal dificuldade desta jovem, que, hoje, tenta conseguir uma bolsa para pagar a mensalidade de R$ 864 da PUC Minas. Mas ela sonha alto e já decidiu que, depois de formada, quer fazer pós-graduação em psicologia do esporte infantil para poder trabalhar com crianças e adolescentes. Consciente das dificuldades que ainda terá de enfrentar, a universitária segue firme nos seus propósitos. “A vida está difícil e ter um bom começo, uma boa base, é importante, por isso, a creche teve um grande significado. O Nutris foi minha base. Foi onde criei meu caráter. Eu colocaria meus filhos na instituição, com toda a tranqüilidade”, comentou.

Um trabalho em família

A pensionista Lucinda Alvarez de Oliveira Leite, viúva do desembargador mineiro José Oswaldo de Oliveira Leite, e idealizadora do projeto, diz que, em quase 20 anos de trabalho, já foi possível diagnosticar várias mudanças na comunidade. Além das conquistas na infra-estrutura local, como rede de água e esgoto, houve uma melhora significativa na qualidade de vida dos moradores. A mortalidade infantil diminui e o número de jovens que se envolvem com drogas também caiu. Das quase duas mil crianças que foram atendidas pelo Nutris, segundo dados do Núcleo, apenas quatro delas foram atraídas para a criminalidade. “Por meio das crianças, os pais estão se transformando também e vendo o mundo por um prisma diferente, enxergando seus filhos com oportunidades que eles nunca tiveram. Acredito que essa é a nossa maior vitória: fazer o ser humano acreditar em si próprio e em um futuro melhor”, comemora Lucinda Alvarez.

Foram os bons resultados alcançados no Nutris que incentivaram a magistratura mineira e todos os voluntários a ampliar o trabalho desenvolvido. Para não deixar desamparadas as crianças que completavam seis anos e saíam da instituição, foi criado o Núcleo de Arte e Cultura Desembargador Márcio Sollero (NAC), que atende a crianças e jovens de sete a 16 anos. No local, eles aprendem inglês, informática, dança e artesanato, além de participar de atividade culturais e artísticas.

A segurança e a oportunidade de ter uma vida melhor são os principais motivos que levam os pais a colocarem seus filhos na creche Nutris e também no NAC. “Enquanto meus filhos estão no Nutris, eles correm menos riscos de seguir um caminho errado de vida”, afirma Elizete Maria de Paula Silva, mãe de Kaíque, 5, Kássio, 10 e Kairo, 11 . O mais novo está no Nutris desde quando fez um ano. Os outros também passaram pelo Núcleo e, hoje, estão no NAC. Elizete é revendedora de cosméticos e, enquanto os filhos vão para a creche, ela cuida de seus afazeres. “As pessoas deviam olhar mais para trabalhos bonitos como esse. Muitas coisas acontecem hoje em dia, porque os pais precisam trabalhar e não têm com quem deixar os filhos. Com a creche e o NAC, minha vida melhorou 100%. Eu saio tranqüila para resolver meus problemas, pois sei que eles estão em um ambiente saudável, sendo bem cuidados”, conta. Quando perguntada sobre qual palavra definiria a importância do Nutris para ela, Elizete abre um sorriso e diz: família!