A transmissão ao vivo de julgamentos pela TV Justiça foi um dos destaques da participação do Brasil na primeira Conferência Mundial sobre Justiça Constitucional, que ocorreu nos dias 23 e 24, na Cidade do Cabo, África do Sul. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, falou sobre a aproximação do Judiciário com o cidadão, promovida pela TV. Acompanhado do ministro Ricardo Lewandowski, os representantes da Suprema Corte apresentaram trambém as ações do Judiciário brasileiro em defesa do estado de direito e dos direitos humanos.

Foram dois dias de intensas discussões sobre os desafios para garantir a democracia e independência no âmbito do Judiciário dos países participantes. Ao todo, 93 representantes das principais cortes constitucionais do mundo participaram da conferência que foi aberta pelo Presidente da República da África do Sul.

O funcionamento da Suprema Corte brasileira foi apresentado por meio de vídeo institucional, produzido pela TV Justiça. O fato de haver esse canal de televisão que divulga as ações, explica os processos, promove aulas, debates e ainda transmite sessões plenárias na íntegra, chamou a atenção dos demais países.

Convidado a falar sobre o tema, o ministro Gilmar Mendes explicou como se deu a criação da TV Justiça e seu objetivo de aproximar o Poder Judiciário do cidadão, traduzindo as importantes decisões tomadas para uma linguagem de fácil entendimento. Experiência parecida foi relatada apenas pelo México que, a exemplo do Brasil, passou a transmitir a sessão plenária por um canal de televisão, criado recentemente.
“Além de preencher uma lacuna deixada pelas emissoras comerciais em relação às notícias ligadas às questões judiciárias, o trabalho da emissora é desenvolvido na perspectiva de informar, esclarecer e ampliar o acesso à Justiça, buscando tornar transparentes suas ações e decisões”, afirmou o ministro Gilmar Mendes, que ainda citou a Rádio Justiça e a Central do Cidadão como relevantes canais de comunicação entre a sociedade e o Tribunal.

Cooperação internacional
Diante dos representantes dos principais países do mundo, o Brasil se destacou como um importante protagonista no cenário mundial, por suas iniciativas na cooperação internacional, como o pleito para compor a Comissão de Veneza como membro efetivo e a participação na criação da conferência das Cortes Constitucionais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, além de suas contribuições regulares no âmbito do Mercosul e da Conferência Ibero-Americana. Ao final, o Brasil assinou juntamente com a África do Sul uma declaração para criação de grupo regional de Cortes Constitucionais dos dois países mais a Índia - IBAS.

Casos históricos
Em sua contribuição, a delegação brasileira revelou para os participantes do encontro que o STF vem discutindo casos, já considerados históricos, envolvendo questões relacionadas ao racismo e ao anti-semitismo, ao direito dos índios sobre as terras ocupadas tradicionalmente por seus povos e à possibilidade do uso de células-tronco embrionárias humanas para pesquisas científicas no país.

Nesse ponto, o ministro Gilmar Mendes explicou o uso da figura dos "amigos da corte" (amici curiae) e das audiências públicas, em que o Poder Judiciário admite a intervenção da sociedade organizada, para que órgãos e entidades possam se manifestar sobre os grandes temas em debate na Corte Suprema. “A Jurisdição Constitucional no Brasil adota, hoje, um modelo procedimental que oferece alternativas e condições as quais tornam possível, de modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões no processo Constitucional”, disse o ministro.

Garantias
“Os direitos fundamentais de caráter processual e as garantias jurisdicionais para a proteção da ordem constitucional têm merecido tratamento ímpar por parte do Supremo Tribunal Federal, a ponto de formar, nesse aspecto, um dos sistemas constitucionais mais completos do mundo”, disse o presidente da Corte Suprema brasileira sobre o papel do STF na proteção dos cidadãos e sua dignidade. Nesse ponto, Gilmar Mendes mencionou a recente decisão da Corte, que limitou o uso de algemas pela polícia a casos de comprovada necessidade. “Ao exigir o respeito às garantias do devido processo legal e das liberdades em geral, o Supremo Tribunal impede que o Estado Constitucional seja transformado em Estado de Polícia”, arrematou.

Direito comparado
Ao falar sobre outro tema que está sendo amplamente debatido na Conferência, Gilmar Mendes reconheceu que o STF costuma utilizar o direito comparado como parâmetro para suas decisões, mesmo que não haja uma regra legal ou regimental nesse sentido. “Não se pode perder de vista que, hoje, vivemos em um Estado Constitucional Cooperativo”, disse o ministro. “O STF permanece aberto à produção doutrinária e jurisprudencial desenvolvida no direito comparado”.

O ministro lembrou que em várias situações os tratados internacionais são usados como fundamento de decisões. E que são, também, utilizados como argumento para impugnar leis nacionais. Ele salientou que essa posição foi pacificada com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, que deu status constitucional aos tratados sobre direitos humanos aprovados por maioria absoluta no Congresso Nacional.

Convergência
“Embora a citação e a análise de jurisprudência estrangeira sirvam como parâmetros para aprofundar os argumentos expendidos em um determinado tipo de conflito de direitos fundamentais, que muitas vezes são comuns à sociedade ocidental como um todo, é prematuro afirmar que haja, nesse momento, tendência à convergência de jurisprudência entre cortes constitucionais”, concluiu o ministro ao tratar da possibilidade de que as jurisprudências caminhem em uma mesma direção.

O ministro disse considerar possível que aconteça, no futuro, a convergência de jurisprudência de cortes constitucionais. Para ele, contudo, “a função do juiz constitucional é assegurar aos seus jurisdicionados a garantia do estado democrático de direito e das liberdades fundamentais, assegurando os direitos das minorias, de acordo com as particularidades e idiossincrasias de sua nação”, concluiu o ministro Gilmar Mendes.
A conferência foi organizada por iniciativa da Comissão de Veneza e da Corte Constitucional sul-africana, para discutir a influência da justiça constitucional na sociedade e o desenvolvimento de uma jurisprudência global em direitos humanos.

A expectativa é que um segundo encontro ocorra daqui a três anos em local a ser definido.

Fonte: STF