Cerca de três anos após o escândalo de espionagem envolvendo a Casa Militar, o Sistema de Consultas Integradas da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul volta a ser motivo de preocupação para o governo. Usando a senha pertencente a um policial militar, suspeitos de duas quadrilhas entraram no banco de dados sigiloso para aplicar golpes e acessar as informações de pelo menos 58 juízes gaúchos. A revelação foi feita neste domingo (11) pelo Fantástico.
Em setembro de 2010, o Ministério Público do RS informou que mais de 20 autoridades do estado e milhares de cidadãos tiveram dados sigilosos acessados por um sargento da Polícia Militar que era responsável pela segurança da então governadora Yeda Crusius. O MP apurou que, desde janeiro de 2009, cerca de mil consultas eram feitas no sistema a cada cinco dias com a senha do sargento.

Entre as autoridades com nomes consultados em 2010, além da governadora, estavam o então senador Sérgio Zambiasi (PTB), o atual governador Tarso Genro (PT) e deputados estaduais e federais. Na época, a defesa do sargento afirmou que os acessos a dados confidenciais ocorriam em obediência a ordens de superiores, como da chefia da Casa Militar do governo gaúcho.

Em 2007, os dados do então ministro da Justiça Tarso Genro foram parar nas mãos de um detetive. Ele vendeu informações oficiais obtidas também com a ajuda de um policial.

Atualmente, duas investigações que correm em separado investigam o mau uso do banco de dados. Em uma delas, o Ministério Público do Rio Grande do Sul prendeu sete pessoas acusadas de aplicar um golpe de R$ 1,7 milhão no Tribunal de Justiça. O dinheiro foi depositado em uma conta por uma empresa de telefonia como caução e serviria para garantir o pagamento de indenização a um comerciante de Tapejara, que está processando a companhia.

“Eles falsificaram em nome do autor da ação um alvará judicial e também os seus documentos para que, em nome dele, fosse levantando um valor de R$ 1,7 milhão”, explica o promotor Flávio Duarte, da Promotoria Especializada Criminal.

Os dados que permitiram a fraude foram retirados do Sistema de Consultas Integradas, que guarda as informações pessoais e ocorrências criminais de todos os gaúchos. Além da senha do policial militar, o bando ainda contava com a ajuda de um policial civil de Porto Alegre, de acordo com o promotor.

“A gente fica indignado. Como que uma pessoa que eu nem conhecia tem acesso a um documento meu?”, indaga o comerciante de Tapejara ao ver uma cópia da sua carteira de identidade com a foto do golpista.

Ainda conforme a investigação do MP, os dados da vítima e dos juízes foram acessados da casa de um dos suspeitos presos em Porto Alegre. Localizado pela reportagem da RBSTV depois de deixar a prisão, ele admitiu que alugou de outro golpista a senha do PM por R$ 350,00 mensais. Entretanto, o homem negou ter espionado os magistrados, lembrando que a mesma senha era compartilhada por outros falsários.

O suspeito afirmou acreditar que a senha do policial militar, lotado no Batalhão Rodoviário de Portão, teria sido roubada do computador dele. Procurado pela reportagem, o PM não quis se manifestar e negou ter negociado o acesso ao sistema. Entre os juízes que tiveram os sigilos quebrados, está Sidinei Brzuska, responsável por fiscalizar os principais presídios gaúchos. Ele soube pelo Fantástico que teve os dados pessoais violados.

“Para mim, causa perplexidade que alguém do lado do crime tenha acesso a essas informações. A minha preocupação maior é que, com base nesses dados, são acessadas informações de familiares”, reagiu Brzuska.

Entre os 58 magistrados, estão ainda desembargadores e integrantes da diretoria da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), incluindo o presidente Pio Giovani Dresch. “Se nós constatamos que os nomes de juízes foram consultados, o que sobrará para os demais cidadãos que ficarão em uma situação idêntica de vulnerabilidade, expostos à ação de criminosos, não se sabe para que finalidade?”, questiona Dresch.

Em outra investigação, a Polícia Civil apura o uso da senha do mesmo policial militar para um golpe aplicado por outra quadrilha. Os suspeitos tinham acesso a nomes de clientes de dois bancos gaúchos. Depois, ligavam para operadores de call center das empresas para solicitar cartões de crédito em nome dos correntistas. Antes de liberá-los, os atendentes faziam perguntas de segurança, como número de CPF, RG, endereço e filiação. Os golpistas, então, obtinham esses dados no Sistema de Consultas Integradas, respondiam às perguntas e conseguiam liberar os cartões, informando endereços de laranjas. Em apenas um dos casos, um empresário de Garibaldi, na Serra do RS, foi lesado em R$ 22 mil.

Fonte: G1