Dois processos em andamento no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal podem definir os limites de atuação dos Juizados Especiais no país. No STF, alega-se que os Juizados ultrapassaram a esfera de sua competência ao julgar um caso de grande complexidade e que necessita de extensa produção de provas. No STJ, sustenta-se que a Turma Recursal decidiu de forma contrária à jurisprudência mais do que pacificada pelo Tribunal Superior, o que requer o reexame da decisão.

Os dois casos discutidos na semana passada chamaram a atenção para um fato que é motivo de preocupação: o de que, em muitos
casos, as Turmas Recursais dos Juizados acabam se tornando a última instância de decisão, ainda que essas decisões não sigam os precedentes do STJ e do Supremo. A boa notícia é que os tribunais criaram mecanismos para que as partes não fiquem sem uma resposta da Justiça nos casos em que se sentem injustiçadas.

No STJ, a ministra Nancy Andrighi recebeu Reclamação do Banco Cruzeiro do Sul contra decisão da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Rio de Janeiro, que o condenou a pagar R$ 8 mil a um cliente. O banco foi condenado sob acusação de descontar valores excessivos da folha de pagamento de um cidadão ao cobrar parcelas de um empréstimo consignado.

A instituição financeira contestou a decisão da Turma Recursal, que inverteu o ônus da prova com base no Código de Defesa do Consumidor e declarou diversas cláusulas contratuais abusivas sem que o cliente tivesse requerido tal ato. Ao acolher o recurso do banco e processá-lo como Reclamação, a ministra indicou que a decisão afronta a jurisprudência fixada na esfera dos recursos repetitivos do STJ.

As decisões tomadas por meio de recurso repetitivo no Superior Tribunal de Justiça não obrigam as instâncias inferiores a segui-las. Nestes casos, contudo, o recurso é devolvido para que o tribunal local faça um juízo de retratação e adeque sua decisão à jurisprudência da corte. Ou seja, é prudente julgar de acordo com o que já decidiu o tribunal por uma questão de racionalidade.

A posição da ministra Nancy Andrighi é embasada em decisão do Supremo Tribunal Federal no ano passado. A relatora do processo na Corte Suprema, ministra Ellen Gracie, anotou que enquanto não é criada a turma de uniformização para os Juizados Especiais Estaduais, poderia haver a “manutenção de decisões divergentes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional federal”. E determinou que até a criação da turma de uniformização, as questões sejam processadas por meio de Reclamação no STJ.

Até a decisão da ministra Ellen Gracie, os recursos contra decisões de Turmas Recursais de Juizados Especiais eram fadados ao fracasso. Na falta de matéria constitucional em discussão, o Supremo não os julgava. Tampouco o STJ, que sustentava não haver previsão legal para os recursos. Agora, o quadro é outro.

Mesmo com a possibilidade de recorrer, a admissão destes recursos pelo STJ ainda depende de critérios objetivos. Por se tratar de uma atribuição anômala, ou seja, não prevista em lei, os ministros editaram a Resolução 12 para estabelecer as regras da Reclamação e se baseiam no exemplo dos recursos para a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que funciona no âmbito do Conselho da Justiça Federal.

O ministro Luis Felipe Salomão afirma que o processamento das reclamações ainda será discutido pelas seções do tribunal. Ainda há questões controversas sobre o tema. Muitos ministros, a exemplo de Salomão, não conhecem dos recursos se eles são impetrados em prazo superior a 15 dias. Também são rejeitados os casos em que se contestam questões processuais. Apenas são conhecidos e processados aqueles em que se discute a questão de mérito.

“Será preciso estabelecer também qual o alcance da nossa resolução. Se julgaremos cada um dos casos ou se serão selecionados
apenas aqueles nos quais o interesse da discussão ultrapasse o interesse das partes”, afirma o ministro Salomão.

Apesar disso, apenas a possibilidade de recorrer é considerada uma vitória para os advogados. Até então, era possível recorrer apenas das decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais. Esses recursos são analisados pelo Conselho da Justiça Federal, órgão criado para evitar conflitos entre as Turmas de Juizados Federais dos 26 estados do país e do Distrito Federal.