Tecnicamente, a decisão se tornou possível porque os desembargadores editaram a Resolução Administrativa 18/2013. Ela aprova o Regulamento da Consulta prevista no parágrafo 1º do artigo 16 do Regimento Interno do TRT da 4ª Região. Na prática, os 48 desembargadores do Pleno votam, mas levando em conta as preferências manifestadas pelos 246 juízes trabalhistas espalhados pelo estado.
O Tribunal Pleno já divulgou os cinco nomes elegíveis para os cargos de presidente e vice-presidente: os desembargadores Ana Luíza Heineck Kruse; Cleusa Regina Halfen; Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo; Ricardo Carvalho Fraga; e Luiz Alberto de Vargas. Para as funções de diretor e vice-diretor da Escola Judicial, foram indicados Ricardo Carvalho Fraga; José Felipe Ledur; Luiz Alberto de Vargas; Carmen Izabel Centena Gonzalez; e Alexandre Corrêa da Cruz.
O processo será conduzido por comissão formada pelos desembargadores Juraci Galvão Júnior e Rosane Serafini Casa Nova, além do presidente da Amatra IV, juiz Daniel Souza de Nonohay. A consulta será feita por voto secreto, em meio eletrônico, na rede interna do tribunal.
Processo de democratização
Após a votação, a presidente do TRT gaúcho, desembargadora Maria Helena Mallmann, disse que a instituição está vivendo um momento histórico. “A consulta aos juízes é um avanço no processo de democratização do TRT”, declarou.
Quem mais vibrou com a decisão foi o presidente da Amatra gaúcha, Daniel de Souza Nonohay, que tem se empenhado no que chama de ‘‘cruzada de democratização’’ do Judiciário. ‘‘Essa mudança tem enorme significado para a magistratura brasileira, pois, pela primeira vez no país, temos a concreta possibilidade de que todos os juízes tenham voz no momento de escolha dos seus representantes à frente de um tribunal.’’ Ele concedeu entrevista à ConJur para comentar as mudanças.
Aos 39 anos, Daniel Nonohay é juiz trabalhista desde 1999 e já atuou nas cidades gaúchas de Santa Cruz do Sul; Farroupilha; Estância Velha; Santa Vitória do Palmar; e em varas do Trabalho de Porto Alegre, sendo atualmente titular da 1ª Vara do Trabalho de Gravataí, município da região metropolitana. Formou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e pós-graduou-se em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).
Leia a entrevista:
ConJur — O que muda com a participação dos juízes na escolha da direção?
Daniel Nonohay — Antes, a direção era eleita exclusivamente pelos 48 desembargadores que integram o Pleno do tribunal. A partir de agora, vamos incluir neste processo de eleição 246 juízes. Com a alteração no Regimento Interno, o tribunal, como gestor da consulta, passa a perguntar aos seus juízes de primeiro grau quem eles gostariam que ocupasse os cargos de direção. Nos termos da Lei Orgânica da Magistratura, o tribunal indica quem são os elegíveis, quem pode ser eleito e quem quer. Em consequência, dá cinco nomes para indicar para os cargos de presidente e vice; e seis nomes para decidir o diretor e o vice da Escola Judicial. O resultado dessa consulta, para superar o obstáculo da Loman, não é vinculativo. Senão, não seria consulta, seria eleição. Mas ele é levado ao Pleno.
ConJur — Os votos não têm caráter oficial?
Daniel Nonohay — A consulta tem caráter oficial, sim. Entretanto, a sua eficácia é no plano moral. A corte pode votar outros nomes? Pode. Aí, teremos de analisar a conjuntura do tribunal, os motivos pelos quais eventualmente outros nomes seriam escolhidos etc. Existem várias possibilidades. Seria até leviano antecipar o que pode ocorrer. Eu, sinceramente, não tenho uma leitura política do que pode ocorrer, porque se trata do primeiro pleito no Brasil.
ConJur — Muitas associações de magistrados apoiam essa abertura democrática. Por que a Amatra-RS se destacou?
Daniel Nonohay — Na verdade, a realização de eleições diretas no Judiciário é um pleito histórico da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), mas com um foco muito especifico da Amatra IV. E, de fato, essa foi a principal bandeira da minha campanha. Sempre entendi que a abertura e a democratização do Poder Judiciário passariam por meio de eleições. Era a semente que solucionaria diversos dos nossos problemas. Assim, meu primeiro ato, na posse, foi entregar à presidente do TRT-4, desembargadora Maria Helena Mallmann, o requerimento de eleições diretas. Com base nesse requerimento, fizemos um longo trabalho de exposição de ideias e de convencimento. Fundamentalmente, o padrão das conversas com os desembargadores era o mesmo: ninguém se opunha, mas havia o óbice da regulamentação legal. Alguns diziam que a Loman impedia que o direito de voto fosse concedido para o juiz de primeiro grau. Alguns, ainda, aduziam que já existia uma manifestação do STF no sentido de impedir a extensão deste pleito.
ConJur — O que chegou a ameaçar a proposta...
Daniel Nonohay — De fato, mas eu apresentei outra proposta: incluir, no processo de votação, uma consulta prévia aos juízes de primeiro grau, que seria posteriormente realizada nos termos da Loman. Essa ideia acabou por superar vários obstáculos de ordem formal. Com essa segunda proposta, deslocamos o foco, abrimos algumas barreiras no campo da argumentação e, aí sim, com um segundo trabalho de convencimento com todos os desembargadores, conseguimos fazer ver que era importante esse passo inicial aqui no Rio Grande do Sul.
ConJur — Quais são as barreiras legais para a votação direta?
Daniel Nonohay — A regra da Loman que prevê que só os desembargadores podem votar, segundo entendimento dominante. E que somente podem exercer cargos de direção os desembargadores mais antigos. Então, não haveria a possibilidade de um juiz de primeiro grau ser eleito para um cargo de direção do tribunal.
ConJur — A conjuntura ajudou na aprovação da consulta?
Daniel Nonohay — Na verdade, as coisas não surgem e não prosperam do nada. Para alavancar uma ideia forte como essa tem de haver uma conjuntura de fatores alinhados. A nossa associação, efetivamente, queria a mudança, e o Pleno se permitiu ser convencido. Não é um tribunal fechado, retrógrado, que se aferra ao poder. A própria presidente da corte, oriunda do movimento associativo, deu livre vazão à ideia, permitindo o debate. A decisão, aliás, foi quase unânime: 35 a 5 a favor da consulta.
ConJur — A vitória pode contribuir para mudar a Loman neste aspecto?
Daniel Nonohay — Há, efetivamente, um movimento nacional para alterar a Loman em dois pontos: forma de votação e quanto aos elegíveis. Essa iniciativa do nosso tribunal é o primeiro avanço concreto nessa direção. Essa nossa iniciativa vai se espalhar no decorrer dos próximos dois anos para outros tribunais. No início, para alguns Tribunais Regionais do Trabalho, depois para alguns Tribunais de Justiça estaduais. E isso vai impulsionar os projetos de lei ou de emenda constitucional que estão parados no Congresso Nacional e que tratam dessa matéria. Em suma, se essa consulta tiver essa força, essa vinculação moral que eu espero que tenha, vamos passar para o próximo estágio. E, neste, a própria lei vai institucionalizar um procedimento de oitiva dos juízes de primeiro grau, integrando-os ao processo eletivo das cortes.
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