O Jornal Hoje em Dia publicou, em sua edição de ontem (30/11), artigo do juiz Carlos Frederico Braga da Silva, diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Amagis. No texto, o magistrado explica sua posição sobre o papel do Estado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Leia o texto na íntegra:
Analisando o direito apenas como regra jurídica de observância obrigatória, jamais se deve desqualificar o relevante papel desempenhado pelos Estados Soberanos. Especialmente levando em consideração o momento histórico em que o consenso foi obtido, poucos anos após o encerramento da Segunda Guerra Mundial, oportunidade na qual as feridas provocadas pelo Holocausto ainda não estavam totalmente cicatrizadas.
Nesse contexto a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em 10 de Dezembro de 1948 pela Resolução 217 A (III), da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, por quarenta e oito votos a favor e nenhum contra, havendo, ainda, oito abstenções. Também não se esqueça que já existem versões para a referida declaração em mais de 337 línguas, tratando-se do documento jurídico mais traduzido de todos os tempos. O seu artigo primeiro assimila relevante influência da filosofia, do direito natural e do universalismo ao declarar que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. O expresso reconhecimento de que a condição de ser humano já gera direitos, só por si, repele a visão tradicional de que os direitos somente poderiam ser conferidos pelos Governos, bem como concretiza o entendimento de que “o direito a ter direitos” se trata de conquista histórica da humanidade. A doutrina é pacífica no sentido de que o moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos surgiu naquela época como uma reação às atrocidades praticadas na era Hitler, evidenciando a necessidade de se impregnar todas as relações humanas de valores éticos universalmente aceitos.
Assim, sob o prisma da ciência jurídica pura, as normas internacionais são de excelente nível, válidas e eficazes. A política pública do Estado está definida, uma vez que a Declaração Universal dos Direitos Humanos está pronta. Porém, o comportamento humano ainda não mudou em consequência da nova ordem mundial e as desigualdades teimosamente persistem, desafiando de uma maneira especial os estudiosos da sociologia jurídica a descobrirem maneiras de concretizar no plano da vida prática as exuberantes lições de direito contidas nas normas internacionais. A falta de efetividade das disposições internacionais de direitos humanos frustra a todos, causando uma tímida reação do Poder Judiciário, o qual tem sido injustamente acusado de adotar em alguns casos uma postura ultra ativista, quando em verdade determina a aplicação, em alguns julgamentos, de disposições de direito definidas como prioritárias na Constituição da República.
A meu sentir, nos dias atuais o ator principal do teatro dos acontecimentos é o cidadão. Assim, uma alternativa capaz de modificar o quadro que se apresenta é aliar às normas internacionais uma postura ativa por parte dos cidadãos conscientes, os quais reúnem plenas condições de exigir dos três Poderes o cumprimento dos deveres já assumidos. Adotando-se mentalidade menos conservadora poderá ser alterada a situação hierarquizada e preconceituosa que ainda impera em nosso País, desde que prevaleça uma vontade política concretizadora dos direitos fundamentais - aí incluídos os econômicos e sociais -, permitindo-se a vários outros seres humanos a mudança de patamar de vida. Isto porque a experiência histórica revela que os direitos fundamentais não são graciosamente concedidos, mas, sim, sempre extraídos pelas minorias daqueles detentores do Poder.