Juiz Nelson Missias de Morais*
Ainda que a Constituição Federal não tenha completado 20 anos, impõe-se reafirmar suas conquistas que instituíram o Estado Democrático de Direito. Os incisos X, XI e XII de seu artigo 5º, por exemplo, consagram que são “invioláveis” a intimidade, a honra, imagem das pessoas e a casa, bem como o sigilo da correspondência e das comunicações telefônicas. São princípios individuais que foram elevados à condição de cânones constitucionais e pelos quais o Judiciário – por atribuição indelegável – tem o dever de zelar.
Ao consagrar esses princípios, o legislador teve o cuidado de vincular eventuais exceções, no último caso, a uma decisão judicial para evitar que um direito maior e a justiça ficassem comprometidos. Apesar disso, a sensação, hoje, no Brasil é de que todos estão grampeados, perguntando-se quem será o próximo da lista.
Graves violações não poupam nem mesmo os Poderes da República, atentando assim contra a própria democracia e o Estado de Direito. Quando importantes instituições são atacadas – sem a distinção entre estas e seus integrantes, para os quais também não foi dado o direito à ampla defesa - é porque o Estado trocou o princípio democrático pelo policialesco, no qual a senha é o vale-tudo. Nada disso é bom para a democracia, gerando uma instabilidade perigosa. Todo mundo sabe como começa, mas não como e quando termina.
O trabalho que a Polícia Federal (PF) tem desenvolvido, em diversas operações, é de muita importância, desde que não seja transformado em show para a TV e que pessoas não sejam condenadas “a priori”. Não se pode aceitar um estado policial, como bem advertiu o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes.
Ao mesmo tempo, a espetacularização das operações vem causando estranheza. Se, de um lado, reduz a sensação de impunidade, de outro, fere alguns direitos individuais, inseridos nas cláusulas pétreas da Constituição, prejudicando a imagem do cidadão investigado e a da própria polícia.
Por isso, se faz urgente coibir os excessos, como a exposição desnecessária dos suspeitos, com seus nomes jogados em lista de criminosos, quando sequer tinham qualquer vinculação. Chegou-se ao cúmulo de, propositadamente ou não, confundir o nome de um suspeito, Gilmar de Melo Mendes, guindado de uma escuta telefônica, com o do ministro Gilmar Ferreira Mendes. Provavelmente ou não, pelo fato de o mesmo ministro ter determinado a soltura de pessoas detidas em operações da PF.
Falar, então, em segredo de justiça, nesse momento, virou piada, quando vazam informações de inquéritos que sequer foram concluídos, muito menos instaurada a ação penal. Tal vazamento é grave e remete a estratégias de exceção (não recomendáveis) na investigação.
Não se discute, aqui, o mérito das prisões, mas principalmente a maneira como têm sido conduzidas. Seus resultados não correspondem aos métodos empregados, como a utilização de armamento pesado contra pessoas que não teriam como oferecer resistência. A grande maioria dos detidos - mais de 5.800 pedidos de prisões desde 2003 - já ganhou a liberdade. Ao final, em vez de condenações, temos cidadãos humilhados, um país desacreditado, direitos atropelados e a Constituição rasgada.
Não custa repetir que se existem atividades investigativas, que utilizam a quebra de sigilo bancário, telefônico e fiscal, é porque o Judiciário as autorizou. Caso contrário, seriam ilegais. A operação policial é realizada com a autorização judicial, assim como a soltura de pessoas. No entanto, é fundamental distinguir o estado de direito e o estado policial. O questionamento das ordens da Justiça por órgãos policiais, como acusou prontamente o ministro Gilmar Mendes, pode levar a um Estado policial do tipo KGB e Gestapo. Ao Judiciário, não cabe legislar, mas apenas corrigir normas que contrariem a Constituição Federal.
*Presidente da Amagis
Artigo publicado no jornal Estado de Minas em 29 de julho de 2007